Título: Importação desestimula oferta interna
Autor: Machado, Tainara; Lima, Flavia
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2013, Brasil, p. A4

O Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre reforçou o diagnóstico feito pelo Banco Central (BC) em sua última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que atribuiu a retomada mais lenta que o esperado da economia a restrições no campo da oferta, ao passo que a demanda interna mostrou aceleração relevante no período.

Entre outubro e dezembro, a indústria de transformação recuou 0,5% em relação ao terceiro trimestre, feito o ajuste sazonal, enquanto o consumo das famílias avançou 1,2% no período - o dobro do ritmo do PIB, que subiu 0,6% nessa comparação. No ano, a discrepância é ainda maior: o PIB do setor manufatureiro encolheu 2,5% em 2012, ao passo que a demanda das famílias, sustentada pelo aumento da renda, queda do desemprego e incentivos tributários, subiu 3,1%, bem acima do 0,9% da economia.

Desde 2008, o consumo passou a puxar o PIB, enquanto a indústria perdeu espaço. Como o setor industrial opera hoje com capacidade ociosa e as vendas do comércio só crescem, para alguns economistas, o descompasso entre oferta e demanda instalado hoje no país não decorre de um problema de incapacidade do setor produtivo de abastecer a demanda. O problema seria de desincentivo ao investimento e de custo, pois a oferta interna é mais cara. A consequência, apontam os analistas, aparece no aumento das importações e no encolhimento da indústria de transformação, cuja participação no PIB caiu para apenas 13,3%, queda de um terço em apenas oito anos.

Apesar da desvalorização do real em relação ao dólar no ano passado, a participação da importação de bens e serviços na demanda interna aumentou em 2012, para 14 pontos do PIB, nível mais alto nos últimos doze anos. "Parte dos empresários, depois de anos de valorização cambial, passou a importar. Se é mais vantajoso trazer produtos do exterior do que investir, por que o empresário vai comprar mais máquinas?", pergunta Nelson Marconi, coordenador do Forum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A crise do investimento, que subiu 0,5% no último trimestre, mas acumulou retração de 4% em 2012, foi outro entrave relevante ao crescimento da indústria no ano passado, argumentam analistas. Mais exposto à concorrência com os importados, o setor sofre com os gargalos de infraestrutura e logística presentes no país e não consegue ganhar produtividade por causa dos custos crescentes com mão de obra e falta de investimentos em máquinas e equipamentos.

Na opinião de Marconi, da FGV, o descompasso entre produção industrial e demanda interna continua a ser resultado do aumento da participação dos importados. "As importações cresceram apenas 0,2% em relação a 2011, mas ainda assim a participação na demanda aumentou". Para ele, há um período de transição até que empresários fiquem mais seguros de que câmbio desvalorizado e juros baixos vieram para ficar. "

A chave para entender os motivos que levam a um descompasso tão forte entre oferta e a demanda atualmente na economia tem origem na avaliação errada feita pelo empresariado em tempos de vacas mais gordas, diz o sócio da gestora de recursos FRAM Capital, Luciano Sobral. Entre 2007 e 2008, a percepção do empresariado sobre a economia era de uma mudança de paradigma, que apontava para um crescimento potencial do Brasil não mais perto de 3%, mas entre 4,5%, 5%. E, pondera ele, são os investimentos feitos com base em premissas erradas de crescimento e de taxas de retorno que fazem com que, atualmente, o empresariado não se disponha a investir diante da expansão do consumo.

Para Sobral parece existir um certo consenso de que esse modelo de economia muito boa para o assalariado e para o consumidor - com salários reais em alta e concessão de crédito em níveis elevados -, mas com baixo investimento tenha se esgotado. "O Brasil vai ter que inventar um jeito nos próximos anos de manter os ganhos de qualidade de vida do brasileiro médio e fazer com que o país volte a ser atrativo para o empresário". Sobral diz que o governo parece ter entendido a questão quando, desde meados do ano passado, toma medidas que permitem redução de custos, como a queda dos juros e das tarifas de energia elétrica e a desoneração.

Para Alexandre Schwartsman, sócio da Schwartsman & Associados, o investimento também não deslancha porque faltam recursos. A taxa de poupança no país, afirma o ex-diretor de política econômica do Banco Central, é baixa - 14,8% - e o consumo representa mais de 80% do PIB. A saída, ausente hoje do discurso do governo, seria ajuste fiscal mais forte, com crescimento menor das despesas do governo, o que abriria espaço para o setor privado aumentar investimentos.

Sócio e economista da JGP Gestão de Recursos, Fernando Rocha, também avalia que o investimento, em que pese o alto custo de produção, foi a grande restrição ao crescimento da oferta em 2012 e, portanto, principal explicação para o descolamento entre indústria e comércio. Mas, na opinião de Rocha, a formação de capital físico poderia ter mostrado evolução melhor no ano passado caso o empresário tivesse uma avaliação mais forte da demanda.

Para Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, além das importações, também pesaram contra a indústria os altos estoques acumulados desde o fim de 2011. "A indústria virou 2012 com estoques elevados, o que, com os vários incentivos dados pelo governo, foi sendo consumido a partir do segundo semestre", disse.