Título: As cooperativas e a Justiça trabalhista
Autor: Pastore, José Eduardo G.
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2007, Legislação & Tributos, p. E2

São poucas as estatísticas sobre a participação das cooperativas de trabalho no volume de reclamações trabalhistas que, atualmente, tramitam na Justiça do Trabalho. Mas alguns escassos números já permitem interpretar esta realidade.

Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) indicam que, em 2005, foram autuados 17.735 processos trabalhistas referentes à atividade econômica na indústria. O sistema financeiro aparece em segundo lugar, com 15.762 processos autuados, enquanto a atividade econômica circunscrita no campo da comunicação apresenta-se com 8.284 processos.

Em conformidade com o TST, o setor de serviços, em que atuam as cooperativas de trabalho, é decomposto em: serviços urbanos e serviços diversos. O tribunal não informa o que denomina de serviços diversos. Do total de 92.897 ações autuadas no TST só no ano de 2005, as empresas e cooperativas que atuam na área de serviços urbanos contribuíram com 7.511 ações, ou seja, 8.08% desse universo.

Portanto, os números demonstram um fato revelador: o setor que gera maior passivo trabalhista não é o das cooperativas de trabalho (serviços urbanos), nem das empresas de prestação de serviços, que ocupam o sexto lugar na lista.

A Federação Nacional dos Sindicatos e Empresas de Recursos Humanos, Trabalho Temporário e Terceirizado (Fenaserhtt) informa que congrega seis sindicatos, abrangendo o universo de 21 mil empresas que atuam com prestação de serviços. Já a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) possui 1.770 cooperativas de trabalho registradas em seus quadros. Considerando a variação temporal (tempo de atuação no mercado), a grandeza de cada setor (empresas de prestação de serviços e cooperativas de trabalho) e os dados estatísticos do TST, pode-se deduzir que é tecnicamente impossível as cooperativas de trabalho possuírem o mesmo número de reclamações trabalhistas que as empresas de prestação de serviços, por exemplo, junto à Justiça do Trabalho.

-------------------------------------------------------------------------------- O passivo trabalhista gerado pelas cooperativas de trabalho é incipiente, embora não se negue que haja problemas no setor --------------------------------------------------------------------------------

Pois foi este o critério utilizado para justificar o recente acordo firmado entre a Advocacia Geral da União (AGU) e o Ministério Público do Trabalho (MPT), que limitou a participação de cooperativas de trabalho em processos licitatórios, sob o argumento de que estas geram muitas reclamações trabalhistas.

Partindo-se da premissa de que a restrição ao mercado seria o melhor caminho para se solucionar o problema de passivo trabalhista, como justificaram os atores do referido acordo, então os setores da indústria e do sistema financeiro, só para citar dois exemplos, deveriam ter sua atuação limitada da mesma forma, o que não ocorre.

Os números acima revelam, ainda que de forma imprecisa, que o passivo trabalhista gerado pelas cooperativas de trabalho, apresentado pelo TST, é incipiente, muito embora não se negue que haja problemas nesse setor. O raciocínio lógico para quem justifica a consumação do acordo restringindo o mercado para determinadas atividades econômicas, sob o argumento de que apresentam elevado número de ações trabalhistas, leva à conclusão de que todo o sistema de relações de trabalho deve ser revisto, já que o Brasil é campeão mundial de reclamações trabalhistas, com 2,5 milhões de processos judiciais ao ano. Seguindo o mesmo raciocínio, as empresas do setor privado deveriam deixar de contratar empregados e sofrer restrições de atuação no mercado, já que também geram muitas ações trabalhistas, o que seria um absurdo.

Consignamos que não defendemos a restrição do mercado para nenhum setor da economia como solução dos problemas trabalhistas brasileiros. Contrariamente, preferimos acreditar que melhor seria atacar a causa e não o efeito desta realidade. A causa é o modelo de relações de trabalho brasileiro, que privilegia o dissenso em vez do consenso. E não se argumente também que a terceirização é a responsável exclusivamente por esta calamidade laboral. Graças à terceirização, incluindo-se aí as cooperativas de trabalho, milhares de trabalhadores (empregados ou não) estão socialmente incluídos.

Os números do TST, portanto, indicam duas possibilidades: ou o Ministério Público do Trabalho, autor do acordo que restringe a participação de cooperativas de trabalho no mercado, os desconhece, o que não se compreende, ou, o que é pior, os conhece, porém não os admite. Acertadamente, como disse recentemente o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, "o rei está nu". Nada como as ciências exatas para concluir que, geralmente, falácias se curvam aos fatos.

José Eduardo Gibello Pastore é advogado trabalhista, mestre em direito das relações sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e vice-presidente da comissão do cooperativismo da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP)

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