Título: R$ 1,2 bi com os corruptos
Autor: Souto, Isabella
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2010, Politica, p. 6

Governo tenta recuperar volume bilionário de verbas desviadas do erário apenas em 2010. A tarefa, no entanto, esbarra na burocracia e na lentidão do Judiciário

A corrupção consumiu em todo o Brasil, nos últimos 12 meses, exatos R$ 1.230.718.923,67. Esse é o valor que o governo federal tenta recuperar das mãos de 1.115 prefeitos ou ex-prefeitos, 354 servidores ou ex-servidores, 283 diretores de órgãos públicos e 279 empresas, entre outros responsáveis por irregularidades que lesaram os cofres públicos entre dezembro de 2009 e novembro deste ano. Os números fazem parte do relatório anual da Advocacia-Geral da União (AGU), que ajuizou ou participou de 2.603 ações em tramitação nos tribunais brasileiros.

Minas Gerais, até por ser o estado com o maior número de municípios, lidera o ranking, com 280 ações ¿ a maioria delas, 246, sob responsabilidade da unidade da AGU que engloba Belo Horizonte e as regiões Metropolitana, Central e Vale do Aço. Somente essas ações tratam de R$ 76.341.517,42 desviados por 136 prefeitos ou ex-prefeitos, 51 servidores municipais ou federais, 30 empresas contratadas pelos órgãos públicos e 12 pessoas físicas.

Entre as principais irregularidades encontradas na gestão de recursos federais repassados aos municípios estão processos licitatórios fraudulentos, uso de notas frias para a comprovação de gastos e a não conclusão de obras ou de contratos. ¿Em alguns casos, há irregularidades formais, mas mesmo que a irregularidade não tenha sido por má-fé, o autor é responsabilizado porque ele tem que ter zelo pela coisa pública¿, afirma Luciane Maria Silveira, advogada da União e coordenadora do Grupo Permanente de Combate à Corrupção (GPCC).

O grupo foi criado há pouco mais de dois anos e tem a missão de gerenciar e verificar o uso de verbas federais nos municípios e órgãos públicos. Os integrantes têm uma linha de atuação em três frentes: prevenção por meio de consultoria na formulação dos convênios entre entes públicos; ajuizamento de ações para ressarcimento ao erário; e trabalho para a conscientização da população sobre a importância de fiscalizar os gestores e a aplicação do dinheiro público.

Lentidão

Na luta contra o desperdício do dinheiro do contribuinte brasileiro, o GPCC conta com a atuação dos diversos ministérios federais e órgãos públicos, além da Controladoria-Geral da União (CGU), que tem hoje a tarefa de fiscalizar o uso dos recursos federais por meio de vistorias e visitas in loco a municípios escolhidos por sorteio. De acordo com Luciane, no entanto, o GPCC ainda esbarra em algumas dificuldades, como a lentidão na troca de informações entre os órgãos públicos para o ajuizamento das ações judiciais de improbidade administrativa e devolução de recursos ao erário.

¿É uma demora que facilita a dilapidação do patrimônio dos devedores. Hoje, depois da formalização do grupo (GPCC), é que a gente está conseguindo unir as esferas de poder. Antes era tudo muito descentralizado e não havia base de informações sólidas¿, argumenta a advogada da União. A maior parte das ações (2.147) diz respeito à execução de condenações impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável pela análise dos gastos dos agentes públicos. Elas totalizaram R$ 528.962.260,34.

"Em alguns casos, há irregularidades formais, mas mesmo que a irregularidade não tenha sido por má-fé, o autor é responsabilizado porque ele tem que ter zelo pela coisa pública¿

Luciane Maria Silveira, advogada da União e coordenadora do GPCC

Caminho longo

» Graças à lentidão do Judiciário, é longo o caminho percorrido pela União até reaver os recursos públicos desviados. Por meio de liminares, no entanto, a Advocacia-Geral da União já conseguiu bloquear R$ 582.661.579,60, referentes a contas bancárias, imóveis, carros e outro tipo de patrimônio dos acusados de corrupção em todo o Brasil. Uma vez ajuizadas as ações, se condenados, os responsáveis pelos atos de corrupção poderão ser penalizados com a perda da função pública e dos direitos políticos, proibição de assinar contratos com a administração pública ¿ no caso de empresas ¿ e pagamento de multa. A AGU atua apenas em ações na esfera cível ¿ com o intuito de ressarcimento ao erário ¿, enquanto as ações penais ficam a cargo do Ministério Público.

TCU aponta as fragilidades do Cida Lúcio Vaz

Uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) revelou a fragilidade do Sistema de Cadastro Integrado da Dívida Ativa da União (Cida) à ação criminosa, bem como a dificuldade de prevenir as falhas de seus operadores. Entre as irregularidades apuradas estão a contratação e o pagamento de fornecedores em situação fiscal irregular, a inclusão manual de número excessivo de pagamentos, indícios de utilização de documentos falsos para comprovação de regularidade fiscal, pagamentos desvinculados de qualquer inscrição em dívida, fragilidades no controle de alteração dos débitos, deficiências na rastreabilidade das operações realizadas e cadastro de devedores sem CPF ou CNPJ.

Os fatos se tornam ainda mais graves diante do volume da dívida, R$ 304 bilhões, considerando apenas as inscritas entre janeiro de 2005 e agosto de 2009. A maior parte das dívidas estão em São Paulo, num total de R$ 147 bilhões.

O maior ponto de risco do sistema é a inclusão manual de pagamentos, questão que concentra parte expressiva das falhas constatadas. A inclusão manual é o meio do qual se socorrem as procuradorias para correções de toda ordem, tanto para a inclusão de pagamentos mal vinculados, como para o registro de pagamentos por meio de adjudicação de bens, que significa a penhora como forma de pagamento de crédito.

Como resultado, foram registrados mais de 70 mil pagamentos manuais no Cida, demonstrando o uso generalizado da operação. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional afirma que tem a intenção de acabar com esse mecanismo na implantação do novo sistema, em março de 2012. Enquanto isso não acontece, foi recomendada a adoção de controles mais rigorosos e registros mais detalhados para diminuir os riscos de operações indevidas, resultantes de erro ou fraude.

Os auditores verificaram que ordens bancárias totalizando R$ 1,7 bilhão foram pagas a empresas que possuíam 2 mil inscrições em dívida ativa em situação irregular, no valor total de R$ 2,3 bilhões, mas que possuíam certidão de regularidade fiscal. Esse valor refere-se apenas aos pagamentos efetuados entre janeiro de 2008 e outubro de 2009.

O ministro-relator, Walton Rodrigues, ressaltou que a administração pública já dispõe de instrumentos para evitar o pagamento a empresas com inscrições em situação irregular. ¿Se tais instrumentos são falhos, em decorrência da ausência de disciplina legal, caberá aos órgãos responsáveis, por intermédio da Presidência da República, submeter à instância competente proposta no sentido de preencher essa lacuna¿, recomendou.

Benefícios

O tribunal estimou também os benefícios resultantes da auditoria. Eles ora afetam a administração pública, com elevação de receita, ora afetam mais diretamente o cidadão, que poderá ser beneficiado financeiramente, quando ocorrer o reconhecimento de um pagamento ou por meio da redução de uma dívida indevidamente imputada. A eliminação do pagamento de fornecedores em situação fiscal irregular pode gerar benefícios de R$ 237 milhões à administração pública. O fim das alterações em dívidas sem justificativas nos autos pode render mais R$ 306 milhões aos cofres públicos.

Pagamentos não utilizados pelo Cida resultariam em benefício de R$ 67,9 milhões a cidadãos. A correção de falhas na inscrição de dívidas e no registro de débitos renderia mais R$ 2,8 milhões.

"Se tais instrumentos são falhos, caberá aos órgãos responsáveis, por intermédio da Presidência, submeter à instância competente proposta no sentido de preencher essa lacuna¿

Walton Rodrigues, ministro do TCU

Dívida ativa

Devo, não nego¿

Confira a distribuição da dívida por unidade da Federação, considerando multas, encargos e correções monetárias.

UF Valor (em R$ bilhões)

São Paulo 147,6 Rio 39 Minas 15,9 Rio Grande do Sul 14,5 Paraná 14 Bahia 10 Santa Catarina 7,8 Goiás 7,5 Pernambuco 6,5 Espírito Santo 6,1 Ceará 5,7 Pará 5,4 Mato Grosso 3,5 Distrito Federal 3,2 Amazonas 2,4

Fonte: TCU

¿Pago quando puder

Veja o total de pagamentos realizados nos últimos anos.

Ano Valor (em R$ milhões)

2005 487 2006 1.454 2007 2.081 2008 2.350 2009 1.644**

(**) Pagamentos registrados até 31 de agosto de 2009

Fonte: TCU