Título: O pecuarista que pilota a reeleição de Alckmin
Autor: Lima, Vandson
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2013, Política, p. A8

"Depois vai vir um doutor dar aulas de como pilota esse negócio, certo? Porque o que estava aí antes desse pertenceu ao Santos Dumont", diz João Carlos Meirelles aos dois rapazes que instalam um novo aparelho de ar-condicionado em sua sala no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo. Ao que parece, é um chiste típico deste homem de 78 anos, modos clássicos, bigode volumoso e com as pontas viradas para cima - fazer-se de matuto ou desinformado para angariar simpatia. "No fundo, eu sou mesmo é um agricultor e pecuarista", sentencia.

Ex-secretário de Agricultura na gestão Mário Covas e de Desenvolvimento Econômico com Geraldo Alckmin, de quem coordenou as campanhas em 2002 (ao governo paulista) e 2006 (à Presidência), Meirelles está de volta à administração estadual como assessor de Assuntos Estratégicos. Terá como missão algo que ele apenas dá a entender, mas que tucanos paulistas entregam: criar uma marca forte para a gestão, com vistas a encaminhar a candidatura de Alckmin à reeleição em 2014.

"Minha missão é articular as diversas ações de governo, pois há um volume brutal de investimentos pesados sendo feitos. Melhorar a interação entre secretarias, identificar como estão indo as coisas e enxergar onde pode haver uma interação", explica Meirelles, cuja equipe formada no último mês é composta por duas assessorias jurídicas e uma unidade de gestão estratégica que acompanha todas as atividades da gestão. "O governo tem que contar para todo mundo o que está fazendo e como está fazendo. Até para receber críticas, ver se o que está sendo feito atende às demandas da sociedade", diz.

Na cabeça de Meirelles, a melhor maneira de evitar que a fadiga de poder seja um impeditivo à possível reeleição de Alckmin - ao final do mandato, o PSDB completará 20 anos no comando do Estado - é mostrar um governo vigoroso. "São Paulo está transformado, literalmente, em um gigantesco canteiro de obras. Isso somado a uma forte preocupação do governador com a área social mostra que não houve acomodação", defende, ressalvando que não há candidatura definida.

Se Meirelles assim vê, muito provavelmente é assim que Alckmin construirá o discurso de reeleição que levará aos palanques. A relação paternal entre os dois - Meirelles é 18 anos mais velho que o governador - é conhecida no partido. Sua volta ao governo rendeu interpretações diversas junto a parlamentares e dirigentes: para alguns, é só a oficialização de uma função que Meirelles já exercia fora do governo, de principal conselheiro de Alckmin. Argumentam ser ele o único que consegue levar o governador a repensar um assunto mesmo quando já muito decidido.

Outros tucanos, sob a condição do anonimato, ironizaram que a "novidade" de Alckmin para alavancar sua reeleição fosse trazer para a gestão alguém que foi colega de Covas na faculdade de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) - na década de 1950.

O que todos concordam é que Alckmin dificilmente encontraria alguém que aliasse confiança pessoal e um trânsito tão privilegiado no empresariado brasileiro, algo valioso ao se pensar nos altíssimos custos de uma futura campanha. Na disputa pela prefeitura da capital paulista, em 2012, o vencedor Fernando Haddad (PT) e o segundo colocado José Serra (PSDB) amargaram ao fim da disputa dívidas de, respectivamente, R$ 26 milhões e R$ 19,5 milhões.

"O PSDB tem que deixar claro seu compromisso de centro-esquerda. O PSDB não é, com certeza, de direita"

Depois da disputa presidencial de 2006, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou Alckmin no segundo turno, Meirelles, que havia coordenado o programa de governo tucano, deixou a vida pública e voltou aos seus negócios. Articulou um ambicioso projeto no ramo de bioenergia que, neste momento, investe na construção de três usinas na região de Barra do Garças, Mato Grosso, cuja produção de 4,7 milhões de toneladas de cana por ano se converterá em 430 milhões de litros de etanol/ano e irá disponibilizar para o mercado 60 megawatts, de energia. Para arcar com o custo da obra - R$ 3 bilhões - Meirelles convidou para o negócio 20 amigos de diferentes setores da economia - petróleo, bancos, construção civil e seguradoras - que bancaram a maior parte do investimento. "Os meus acionistas não precisam desse projeto para ficar mais ricos. É algo para estimular o crescimento regional. Cada usina dessas vai empregar 3800 pessoas", diz.

Vem de uma família portuguesa que fincou raízes no Brasil a partir de 1708, cuja tradição na abertura de fronteiras agrícolas país afora ele próprio seguiria. Teve uma curta carreira política como vereador na capital paulista pelo Partido Democrata Cristão (PDC) por dois mandatos, entre 1964 e 1972. Durante a ditadura militar, ficou aproximadamente uma semana preso no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) como "líder da esquerda cristã". O mais novo de seus quatro filhos (está casado há 55 anos) nasceu pouco depois de o pai sair da cadeia. Eleito presidente da Câmara do Vereadores em 1971, foi tirado do posto pelo regime. O prefeito biônico era o hoje deputado federal Paulo Maluf (PP).

"Achei que não era mais o caso de estar dando murro em ponta de faca para estar, ao fim, coonestando o golpe", diz ao justificar sua saída da cena política. Montou uma empresa de Engenharia (Fronteira Norte) e como presidente da Associação de Empresários da Amazônia, coordenou a ocupação por agricultores do sul do país de áreas da região. "Havia grandes áreas de tal modo desabitadas que um município, Aripuanã, tinha metade do tamanho do Estado de São Paulo, e sequer tinha sede municipal. A prefeitura, cuja sede era meramente formal, ficava no Palácio do Governo em Cuiabá", relembra. Foi fundador das cidades de Juruena, Cotriguaçú e Matupá, no Mato Grosso.

Quando o Brasil iniciava seu processo de democratização, na década de 1980, Meirelles foi organizar a atividade pecuária nacional presidindo o Conselho Nacional da Pecuária de Corte (CNPC). "Brasil saiu de importador líquido de carne para maior exportador do mundo", diz sobre seu período à frente do Conselho, que o levaria à vice-presidência da OPIC/IMS, entidade que reúne organizações de carne e gado de todo o mundo. "A ação política não precisa ser partidária. Precisa ser pelo desenvolvimento do país", afirma.

Meirelles adentrou a administração pública em abril de 1998, quando Covas lhe pediu que assumisse a Secretaria Estadual da Agricultura. Sua amizade com o então vice-governador Geraldo Alckmin, a quem já conhecia como deputado federal, se estreitaria ali. "Covas e eu éramos de uma geração que discutia muito ideologia. Fomos amigos de movimento estudantil. Discutíamos marxismo sem sermos marxistas", lembra. Covas faleceria em março de 2001. Meirelles com Alckmin, com quem tem relação paternal: "Geraldo não é conservador. Ele é um indivíduo mais pragmático do que ideológico"

"Com o Geraldo minha ligação foi pelo outro lado, pelo caráter, honradez", conta Meirelles, que garante não ser o governador um conservador. "Geraldo não é conservador. Ele é um indivíduo mais pragmático do que ideológico. Eu e você poderíamos ficar aqui com ele discutindo questões mais ideológicas, que ele conhece, por horas. Num dado momento, ele diria "certo, mas como a gente faz para isso virar escola, para todo mundo ter saúde?"", observa.

Coordenador da vitoriosa campanha de Alckmin ao governo em 2002, Meirelles assumiu então a secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, sendo responsável pela implantação das Fatecs, escolas de ensino tecnológico, até hoje bandeira de campanha do PSDB. Em 2006, foi o principal entusiasta da candidatura de Alckmin à Presidência da República. Até hoje crê que seu candidato só foi derrotado porque "reeleição é uma coisa muito desfavorável para quem é oposição", mesmo com o PT à época às voltas com o escândalo de compra de votos no Congresso que ficou conhecido como mensalão. "Lula é um argumentador muito forte. Estando no governo, podia falar "estou fazendo", enquanto o Geraldo dizia "eu vou fazer".

Avalia também que, por conta da força política de quem está no cargo, muitos deputados e prefeitos do Nordeste não se empenharam como deveriam no segundo turno da campanha, temerosos de uma futura retaliação petista.

Meirelles não participou da campanha de Alckmin à Prefeitura de São Paulo dois anos depois, em 2008, mas não vê aquela candidatura, na qual o tucano sequer chegou ao segundo turno, como um erro. "Não era fácil concorrer até pelo constrangimento do grupo do Serra, que estava com o Gilberto Kassab [então no DEM, hoje no PSD]. Mas considero a candidatura um acerto. Era mais fácil buscar um acordo do que ir à luta e ser mal votado, como o Geraldo foi", diz, antes de emendar uma frase que não soaria nada estranha na boca do governador tucano. "O que diferencia o político do carreirista é a grandeza do gesto, a humildade da postura".

Apesar de não ter vivência partidária no PSDB, ao qual é filiado - jamais disputou postos de comando na sigla - Meirelles se dá o direito de oferecer sua visão sobre o rumo atual do partido, a quem cobra uma atuação mais à esquerda. "Não diria que o PSDB é um partido de esquerda, mas tem que deixar claro que tem um compromisso de centro esquerda. A única coisa que o PSDB não é, com certeza, é um partido de direita ou de centro", opina. "O socialismo democrático propõe que se tenha, cada vez mais, melhorias de condições para o povo. Não é a socialização dos meios de produção, é a utilização dos meios para que se produza bem estar no menor prazo possível. Inclusive com o Estado, em determinados períodos, tendo a coragem de dizer "não temos dinheiro para fazer" e indo buscar dinheiro que está sobrando no setor privado".

Sobre a possível candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência em 2014, Meirelles adota postura cuidadosa, à semelhança de Alckmin. Diz ver com bons olhos a aproximação do mineiro com a chamada ala monetarista do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002) - o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o economista Edmar Bacha. "Ao fazer isso, ele dá um bom passo, junta pessoas para produzir essa análise necessária sobre o país", antes de repetir o mantra de Alckmin de que "está cedo para se decidir o nome". E o governador paulista poderia ser este nome? "Geraldo é homem de caráter claro, muito límpido, íntegro intelectualmente. Mas só ele pode te dizer. Candidatura é como conversa com Deus", despista.