Título: Países emergentes viram protagonistas
Autor: Campos, Eduardo; Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2013, Especial, p. A16

A "Ascensão do Sul-Progresso num Mundo Diversificado" é o tema do último Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), divulgado ontem. A principal mensagem do documento, que mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 187 países, é o visível rebalanceamento de poder da economia mundial, conforme países em desenvolvimento assumem a dianteira em termos de ritmo de crescimento econômico. Tão importante quanto isso, a Organização das Nações Unidas (ONU) avalia que esse avanço também se traduz em melhora das condições de vida da população.

Para a ONU, a ascensão dos mergentes ocorre em uma velocidade e escala sem precedentes. "Nunca, na história, as condições de vida e as perspectivas de futuro de tantos indivíduos mudaram de forma tão considerável e tão rapidamente", diz o relatório.

Como exemplo desse crescimento espetacular, o documento lembra que China e Índia duplicaram o seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita em menos de 20 anos. Isso representa um ritmo duas vezes mais rápido do que o verificado durante a Revolução Industrial na Europa e na América do Norte. Além disso, a atividade econômica combinada das três principais economias emergentes - China, Índia e Brasil - ultrapassará o PIB agregado de Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá até 2020, projeta o RDH.

A revolução começa em grande parte nos anos 1990, conforme os Estados começam a atuar de forma mais ativa no desenvolvimento. Segundo a analista de desenvolvimento do Pnud, Daniela Gomes Pinto, o modelo "desenvolvimentista" difere daquele dos anos 1960 e 1970, pois busca o crescimento das "capacidades da sociedade", se apropria da exploração do comércio internacional e aposta na implementação de políticas sociais inovadoras.

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, chama atenção para o caso dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China).

"Se houve erro nas projeções foi subestimar o maior crescimento dos Brics" desde que o termo foi cunhado no começo dos anos 2000.

Segundo Neri, além desse desenvolvimento humano e econômico, há o reconhecimento dos programas sociais desses países, que viraram produtos de exportação, como o Bolsa Família.

Daniela aponta que o Brasil é uma das referências desse modelo de desenvolvimento, com destaque, justamente, para suas políticas de transferência de renda condicionada e investimentos em educação.

De acordo com o presidente do Ipea, as coisas mudaram nesse sentido. Antes, as políticas implementadas eram as forjadas no Norte. Agora é o Sul que está mandando as políticas, conforme o Norte enfrenta um período de forte crise e aumento da desigualdade. "A exportação de políticas é o marco desse período", diz.

A ONU aponta que este fenômeno vai além dos Brics. O levantamento da organização mostra que mais de 40 países em desenvolvimento registraram ao longo das últimas décadas progressos mais significativos em matéria de desenvolvimento humano do que se poderia prever.

No IDH, que considera expectativa de vida, educação e renda, os países com baixo índice de desenvolvimento apresentaram taxa média anual de crescimento de IDH de 1,62% entre 2000 e 2012. Enquanto o avanço entre aqueles considerados muito desenvolvidos foi de 0,36% no mesmo período, e a média mundial mostrou taxa de 0,68%.

O documento lembra que há correlação entre abertura comercial e progresso humano. Entre 1980 e 2010, por exemplo, esses países quase dobraram sua participação no comércio mundial, passando de 25% para 47%. E o comércio Sul-Sul foi o principal motor do avanço ao sair de menos de 10% do total mundial para mais de 25% em 30 anos.

Um grande desafio que se apresenta aos países meridionais é a obtenção de representatividade política equivalente a seu novo peso dentro do reequilíbrio global sugerido pela ONU no RDH. As instituições mundiais ainda não conseguiram acompanhar essa mudança. A China, segunda maior economia mundial e detentora das maiores reservas cambiais do mundo, possui apenas uma cota de 3,3% no Banco Mundial (Bird), menos do que os 4,3% da França. Enquanto a Índia, que em breve ultrapassará a China como o país mais populoso do mundo, não detém assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

O coordenador-residente do Sistema ONU no Brasil, Jorge Chediek, explicou que para o Brasil e outros países ganharem espaço no xadrez do poder global outros têm de ceder. "Mas está ficando óbvio que as instituições globais têm de mudar para reconhecer essa liderança do Sul", concluiu Chediek.