Título: STF adia decisão sobre CPI do Apagão
Autor: Basile, Juliano e Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2007, Política, p. A14

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu, na noite de ontem, informações ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para, depois, decidir pela instalação ou não da CPI do Apagão Aéreo.

Na prática, o pedido representa uma vitória da base governista na Câmara. Chinaglia terá até 10 dias para prestar as informações ao STF. Neste prazo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara poderá decidir o recurso do PT contra a CPI. O PT alegou que a CPI é irregular por não ter prazo nem fato determinado a ser apurado. Como o governo possui maioria na CCJ, o recurso deverá será aceito. Se essa expectativa se confirmar, a CPI será barrada na Câmara.

A oposição teria como alternativa aguardar o julgamento em definitivo pelo STF sobre a abertura ou não da CPI. No Supremo, prevalece o entendimento de que a minoria tem o direito a abrir investigações no Congresso. Celso de Mello é o maior defensor desta tese no tribunal. Foi dele o voto-condutor pelo qual o STF ordenou a abertura da CPI dos Bingos, em 2005. Ontem, ao pedir informações ao presidente da Câmara, ele fez questão de ressaltar este direito das minorias realizarem CPIs: "Existe, em nosso sistema político-jurídico, verdadeiro estatuto constitucional das minorias legislativas".

Por outro lado, o ministro resolveu adotar uma postura cautelosa. Ele considerou o fato de o STF ter atuado em diversas questões de interesse do Legislativo nos últimos dois anos. Em sua decisão, ele enfatizou essa preocupação: "Tendo presente o alto significado que assume, em nosso sistema político-jurídico, o postulado constitucional da separação de Poderes, entendo prudente, antes de qualquer decisão, requisitar informações".

Mello resolveu pedir informações a Chinaglia depois de se reunir com líderes governistas do Congresso. No início da noite de ontem, ele recebeu em seu gabinete o líder do PT, deputado Luiz Sérgio (RJ), o líder do governo, José Múcio (PTB-PE), e o representante do bloco PCdoB e PSB, Flávio Dino (PCdoB-MA). Um dia antes, Mello recebeu os líderes da oposição e sinalizou a sua posição favorável ao direito da minoria de abrir CPIs.

Depois da reunião, Mello enfatizou que teria quatro caminhos a seguir. O primeiro seria entender incabível o mandado de segurança da oposição, pelo fato de a abertura ou não da CPI se tratar, por enquanto, de matéria regimental de competência da Câmara. A segunda opção seria considerar cabível o mandado e deferir a liminar para autorizar a abertura de CPI. A terceira seria indeferir a liminar e, com isso, barrar a CPI. E a última alternativa seria pedir informações prévias ao presidente da Câmara. Foi a opção escolhida.

A CCJ da Câmara serviu, ontem, como campo de batalha de governo e oposição na disputa pela instalação da CPI do Apagão Aéreo. No fim dos trabalhos, os governistas até conseguiram ler o relatório do deputado Colbert Martins (PMDB-BA).

A CCJ ficou incumbida de julgar um recurso apresentado pelo líder do PT, Luiz Sérgio, contra a instalação da CPI. O governo argumenta que o requerimento de criação da comissão de inquérito não tinha o "fato determinado" para investigação. Colbert foi escolhido relator do tema e conseguiu ler ontem, depois de seis horas de brigas e discussões, o seu relatório. O parlamentar, recém-efetivado como integrante da base do governo, aconselhou a comissão a rejeitar a instalação da CPI do Apagão.

Há poucos meses, Colbert era do PPS. Fazia críticas ao governo Lula. Chegou a participar da comissão externa que acompanhou a questão do tráfego aéreo. Ontem, porém, manifestou-se contra a investigação. Disse que o requerimento era vago em sua definição do tema a ser investigado.

"O requerimento de instalação da CPI tem como objetivo ? investigar as causas, conseqüências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro, chamada de Apagão Aéreo, desencadeada após o acidente aéreo ocorrido no dia 29 de setembro de 2006 ? . Como se vê, por mais que se interprete extensivamente o conceito de fato determinado, ainda assim o caso em questão envolve meras conjecturas. Não se sabe, efetivamente, o que essa CPI iria buscar", escreveu Colbert, ao agrado do Planalto.

No fim da apresentação do relatório, a oposição pediu vista. O texto só será votado na terça-feira. Como tem maioria na CCJ, o governo deverá conseguir a aprovação do parecer. O texto, então, deverá ir ao plenário, onde passará por nova votação.

A reunião da CCJ foi bastante tensa. O presidente da comissão, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), precisou cortar o microfone de alguns parlamentares em momentos de maior discussão. Na disputa mais ríspida, o pemedebista teve de enfrentar o deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-SP), que queria retirar um requerimento. A negativa de Picciani levou Coutinho a levantar de sua cadeira e ir até a mesa, dedo em riste. Houve forte bate boca. E o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) entrou na briga com o tucano: "Olha a compostura. Reclamar de uma decisão é direito seu, mas reclame sentado", gritou o cearense.