Título: O segredo de se levar uma vida cada vez mais simples
Autor: Licht, Andréa
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2007, Empresas, p. B4

Era o fim de 2006, uma noite de inverno, fria e escura como todas as outras. No vilarejo de Aslonnes, de apenas 890 habitantes, no sudoeste da França, próximo à Poitiers, ainda se via nos jardins das casas os pisca-piscas de Natal acesos. Apenas uma exceção. A casa dos Thibault - Michel e Marie-Claude.

Na sala de estar, preparada para receber um grupo de 20 pessoas convidadas para uma sessão de filme, havia enfeites de Natal, mas nada que desperdiçasse energia à toa. Michel, depois de fazer um brinde com cidra e suco de maçã, ambos oriundos da agricultura orgânica, e agradecer a presença de todos, desculpou-se por haver baixado o comentado documentário com Al Gore, "Uma Verdade Inconveniente" que seria visto a seguir pela platéia, sem custos, na internet. Mas, explicou, o assunto justificava o ato. O silêncio total do pequeno grupo mal acomodado entre almofadões e sem encosto só foi interrompido no fim do filme. A discussão acalorada entre todos permeava uma pergunta: o que cada um de nós nessa sala pode fazer rumo a um modo de vida mais harmonioso com o meio ambiente e com os outros?

Michel usou seu próprio exemplo para dizer que as mudanças podem começar em casa, nos pequenos gestos cotidianos. Ele, por exemplo, não usa calefação central, mas aprendeu que ao amarrar vários gravetos finos e colocá-los na lareira, sua queima será mais lenta do que a de apenas uma acha de lenha. É preciso também investir no isolamento ideal da habitação, para que não haja perda de calor. Michel não se define como um "décroissant", embora viva dentro desse espírito. Sua história se resume em duas partes - antes e depois da sala de aula.

Professor de ciências e matemática no ensino público de 2º. grau por duas décadas, ele viu por muitos anos a derrota de 20% do total dos alunos que passavam por suas mãos. Percebeu que seu trabalho não estava dentro da escola, mas fora dela e propôs ao Ministério da Educação francês um projeto de educação para esses jovens excluídos do sistema. O governo aceitou, mas nunca financiou o projeto. A vida de Michel então tomou outro rumo.

Rescindiu seu contrato perene de funcionário público - uma insanidade para os padrões franceses - para cuidar de pessoas e animais através de técnicas da "paramedicina", sistema que procura curar doenças através de plantas, alimentação e psicologia. Além desse trabalho, desenvolvido num escritório dentro da sua própria casa, ele cuida de uma horta e da manutenção da casa da praia, que é alugada por temporadas. "Mesmo durante as décadas de abundância eu preferia consertar as coisas no lugar de jogá-las fora. As pessoas achavam atípico e eu considerava bom senso".

O ex-publicitário Vincent Cheynet é um outro personagem dessa mesma história de consumo minimalista. Militante ecológico radical desde a época de estudante, ele trabalhou dez anos como diretor de arte da Publicis, o maior grupo publicitário da França, criando campanhas para grandes marcas mundiais.

Antes de romper com esse estilo de vida ele viveu um período de transição, durante o qual trabalhava meio expediente e no resto do tempo dedicava-se, junto com amigos, a detalhar o projeto do que viria a ser a associação Casseurs de Pub, algo como destruidores, críticos da publicidade. Com base em Lyon, a associação edita o jornal "La Décroissance", de 25 mil exemplares mensais, organiza palestras e manifestações públicas como Dia Nacional sem TV, Dia Nacional sem Compras, Volta às aulas sem marcas.

Cheynet, 40 anos, casado e sem filhos, deixou para trás carro, geladeira, celular e televisão e considera que vive mais de acordo com seus valores e com bastante conforto em seu apartamento de Lyon. Ele evita produtos lácteos, utiliza azeite no lugar da manteiga, se locomove a pé, em transporte coletivo e para longas distâncias usa o trem. "Me recuso a pegar avião pela poluição que provoca, mas não rejeito todas as tecnologias", diz Cheynet, que já foi à Rússia de trem. Para ele, o que conta na sociedade contemporânea é a função econômica e não o ser humano. Decrescer é, então priorizar o humano, basear-se na lógica da auto limitação e na vontade de dividir.

Para Cheynet, "o ponto crucial do movimento é a combinação de necessidades individuais e coletivas, onde o dilema central é a injustiça. Se não houver essa soma, terá sido apenas uma ferramenta para espairecer, reforçando a tendência atual do capitalismo de prazer ilimitado".

Sair de sua "petite vie" hamoniosa e bela, era o que desejava Laurence Vittet. Com um marido, dois filhos e 40 anos, ela herdou algum dinheiro, logo a após a morte de seu pai. E este foi o empurrão que precisava. Arquiteta de formação queria arregaçar as mangas e fazer algo que ajudasse a melhorar o mundo, mesmo sabendo que seria algo em escala diminuta. Abriu uma butique em Paris dedicada aos criadores que trabalhavam com materiais ecológicos. Dois anos de fracas vendas depois, ela acaba de fechar as portas da loja para criar uma agência, Agence Art Terre, de representação desses criadores com preocupações ambientais e éticas frente a instituições e empresas privadas.

Laurence trabalha em casa, consome o máximo possível de alimentos orgânicos produzidos localmente, sua família tem um carro movido à gás de cozinha. "Não vejo isso como positivo ou negativo. São apenas escolhas que consideram que o outro existe". Ela não compra tênis para seus filhos produzidos do outro lado do mundo, por gente tratada como "cachorro". Nem come tomates na França em pleno inverno. "Eu não posso mais consumir sem me perguntar como e de onde vêm os produtos e porque eles são tão baratos".(AL)