Título: Governo recua e MP será negociada com militares
Autor: Izaguirre, Mônica e Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, Brasil, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu diretamente ontem para acalmar a cúpula das Forças Armadas, após ter cedido às exigências dos controladores militares que se amotinaram e provocaram o fechamento dos aeroportos na sexta-feira passada. Para amenizar o mal-estar com o Alto Comando da Aeronáutica, Lula garantiu que o desenho do processo de transferência do controle de tráfego aéreo para um órgão civil será definido e executado em comum acordo e com a participação da FAB. Como tem pressa em resolver o problema, o governo continua inclinado a editar uma medida provisória. Antes de um entendimento com a Força, no entanto, a MP da desmilitarização não sairá, informou um auxiliar do presidente.

Com isso, mantém-se o compromisso de transferir a gestão do tráfego aéreo para um órgão civil, como querem os controladores militares. Mas, em um movimento de recuo para curar as feridas abertas pela quebra da hierarquia, Lula resolveu condenar publicamente o motim dos sargentos para contornar a insatisfação dos oficiais-generais. De manhã, qualificou a atitude dos controladores como uma "irresponsabilidade". À noite, reuniu-se no Palácio do Palácio com os comandantes das três Forças e divulgou uma curta declaração oficial em que reforçou a cobrança aos controladores. "O presidente reiterou no encontro que o país não pode ficar refém de movimentos irresponsáveis como esse", informou o Palácio.

Segundo um auxiliar do presidente, "nada será feito à revelia da Aeronáutica". "Ficou muito claro que o presidente quer prestigiar o comando da Força", disse a fonte. Duas preocupações foram levadas em conta por Lula. Uma delas foi a péssima reação dos comandantes à forma como o governo interveio na greve feita pelos controladores, em especial a contra-ordem de prisão dos líderes do movimento.

"O presidente não quer continuar nessa linha de quebra da cadeia de comando", informou a mesma autoridade, reconhecendo que a hierarquia foi quebrada quando o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sentou-se para negociar diretamente com os sargentos grevistas, sem a participação de oficiais.

Também pesou na decisão de Lula o tom de ameaça usado por representantes dos controladores, em entrevistas ontem, ao exigir o cumprimento do acordo firmado na sexta. Lula concluiu que, se não engrossar com os grevistas, o governo pode novamente virar refém da categoria. O próprio Lula usou o verbo "engrossar" ao falar da questão.

Diante do mal-estar causado, o governo não moverá uma palha para impedir que os controladores sejam processados e punidos pela Justiça Militar, como quer a Procuradoria Militar, que já pediu, ontem, a abertura de inquéritos. O governo entende que isso não significa quebra de acordo com os controladores, já que a promessa de não punição referia-se apenas à alçada do próprio governo. Segundo a assessoria do Palácio do Planalto, o brigadeiro Juniti Saito "confia em que os controladores cumprirão com as suas obrigações, respeitando o direito das pessoas de ir e vir".

Receosos de terem entrado em uma situação desfavorável, os controladores militares buscaram apoio no Congresso para garantir anistia aos sargentos insurgentes. O porta-voz do movimento, Ulisses Fontenelle, sugeriu a edição de uma MP para evitar punição aos militares. Hoje, Bernardo receberá os controladores para negociar os termos da MP da desmilitarização. A negociação exclusivamente com o ministro mostra que o movimento perdeu força. Havia uma expectativa de que os sargentos fossem recebidos pelo presidente.

Segundo oficiais da FAB, que pediram para não ser identificados, a insatisfação entre os 14 brigadeiros do Alto Comando da Aeronáutica se espalhou entre militares de baixa patente e há um clima de revolta contra os sargentos rebelados. Do quadro de pessoal do Decea (órgão responsável pelo controle de tráfego), apenas 20% dos militares são controladores. Os demais têm outras funções, não vão abandonar a farda em troca de uma nova carreira civil e estão indispostos com os sargentos controladores. Além de condenarem a quebra da hierarquia, estariam indignados com a criação de uma diferença salarial causada pela gratificação que o governo estuda dar aos controladores.

Pela primeira vez em quatro dias, os aeroportos viveram ontem um clima de tranqüilidade, com apenas 6,3% de atrasos superiores a uma hora e 1,7% de vôos cancelados, até as 18h. Controladores civis e sargentos da FAB apresentaram a relativa paz nas operações de pousos e decolagens como uma prova de que "o verdadeiro fator de instabilidade era a presença de oficiais" na chefia dos centros de controle (Cindactas), conforme afirmou um representante da categoria. Nos Cindactas 1 (Brasília) e 3 (Recife), coronéis da Aeronáutica se recusaram a assumir suas posições de chefia e os supervisores de equipe passaram a fazer uma autogestão do controle de tráfego.

Em assembléia no Rio, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Proteção ao Vôo (que representa os controladores civis) anunciou que está em "estado de greve". A entidade dá, com isso, uma sinalização de que pode iniciar uma paralisação caso não receba os benefícios eventualmente concedidos aos militares.