Título: Arrocho paralisa Porto Alegre e afeta planos de Fogaça para 2008
Autor: Bueno, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, Política, p. A7

Passada mais da metade do mandato conquistado depois de quatro administrações consecutivas do PT em Porto Alegre, o prefeito José Fogaça (PPS) ainda procura construir uma identidade que sirva de referência para a atual gestão na disputa da eleição de 2008. Desde que assumiu, em 2005, o governo que abriga também integrantes do PTB, PP, PMDB, PDT e do PSDB deu prioridade ao controle das finanças da prefeitura às custas da redução dos investimentos em obras e serviços, provocando uma sensação de paralisia administrativa em boa parte da população.

Eleito com o bordão "manter o que está bom e mudar o que é preciso", Fogaça preservou o Orçamento Participativo, marca registrada dos 16 anos do PT na prefeitura, mas não consegue extrair dele os mesmos dividendos políticos que os seus antecessores. Segundo a presidente da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa), Maria Horácia Ribeiro, o funcionamento do OP ficou prejudicado porque se transformou em um "campo de batalha" entre representantes da gestão atual e da anterior.

Ao mesmo tempo, a "governança solidária", criada para "reforçar a dimensão do OP", como explica o secretário de Coordenação Política e Governança Local, Cezar Busatto, ainda está engatinhando no propósito de atrair empresas e instituições não governamentais para contribuir com a realização de obras nos bairros. "Parece uma instância paralela, sem relação de complementaridade com o Orçamento Participativo", constata Maria Horácia.

"A idéia que se formou na sociedade é que o governo Fogaça ainda não aconteceu", admite Busatto. Segundo ele, a administração "segurou" os planos de fazer da cidade um "canteiro de obras" já em 2005 para equilibrar as contas públicas e restabelecer as linhas de financiamento para investimentos, suspensas depois de três anos de déficits. Agora, após dois anos de balanços positivos, a prefeitura espera convencer o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a reabrir o cofre e a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), a liberar os avais.

"Estávamos impregnados com a idéia de que, apesar dos déficits, a prefeitura era sólida financeiramente, mas tivemos que adotar um duro ajuste fiscal", afirma o secretário. Os investimentos de R$ 143,8 milhões em 2004 caíram para 106,7 milhões no ano passado e as principais obras, como a conclusão da Terceira Perimetral e um programa em andamento para reassentar 3 mil famílias, foram contratadas na gestão passada. "Administramos esses dois anos quase como se fôssemos uma continuidade do governo anterior".

A raiz da crise da prefeitura foi a concessão, desde 1988, de reajustes salariais bimestrais pelo IGP-M ao funcionalismo. O diagnóstico é compartilhado por integrantes do governo atual e do passado e o próprio ex-prefeito João Verle (PT) suspendeu as correções automáticas em 2004, quando o peso da folha sobre a receita corrente líquida alcançou 53,6%, quase no limite (de 54%) da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em 2005, a "bimestralidade" foi derrubada na Câmara de Vereadores e hoje o comprometimento está na faixa dos 40%.

O caminho escolhido por Fogaça teve um custo político, provocado pela falta de solução para problemas antigos e pelo aparecimento de novos, reconhece o secretário de Coordenação Política. No primeiro caso, ele relaciona a agonia das pessoas que dependem do sistema de saúde pública e ainda têm que enfrentar falta de remédios de distribuição gratuita, longas filas nos postos e meses de espera para tratamentos mais complexos. "O assunto foi central na disputa eleitoral de 2004", comenta Busatto.

O secretário admite ainda que o governo "tem falhado muito" no atendimento aos sem-teto e às crianças e adolescentes que vagam pelas ruas da cidade e se espalham pelos semáforos, onde fazem malabarismos ou lavam vidros dos carros em troca de algumas moedas. Só há poucos dias foi lançado um programa que envolve instituições públicas e privadas e prevê a criação de núcleos regionais para a inserção dessas pessoas em programas sociais estruturados da prefeitura

A julgar pelas cartas publicadas pelos jornais locais nas seções destinadas à opinião dos leitores, os porto-alegrenses também estão profundamente irritados com a deterioração da limpeza pública. O drama aumentou em 2006, quando o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) teve que suspender a licitação para a contratação de novas empresas prestadoras de serviço por suspeita de envolvimento da consultoria que elaborou o edital com uma das concorrentes.

Já o funcionalismo público, que quase não incomodou os sucessivos governos petistas, promete agora gerar dores de cabeça para Fogaça. A data-base dos quase 30 mil funcionários é em maio e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) já começa a "organizar a base" para enfrentar a "falta de diálogo" da prefeitura e cobrar a reposição de perdas calculadas em 16%.

A prefeitura também entrou em rota de colisão com as empresas de construção civil com uma proposta de revisão do Plano Diretor, que entre outras medidas prevê a redução da altura dos edifícios nas regiões mais importantes, a ampliação das áreas livres nos terrenos e o aumento das zonas de interesse cultural, com regras especiais de utilização. Segundo o presidente do Sinduscon, que reúne as construtoras, Carlos Alberto Aita, o projeto freia no setor justamente num momento em que a construção civil registra forte crescimento em todo o país.

A esperança de Busatto é que nos próximos 12 meses a administração consiga reverter a imagem desfavorável assim como fez com as contas públicas, que evoluíram de um déficit orçamentário de R$ 81,8 milhões no último ano petista para um superávit de R$ 67,7 milhões em 2006. A reversão deveu-se ao aumento nas receitas totais no período, frente à queda das despesas empenhadas.

Agora, com as contas equilibradas e uma dívida consolidada líquida equivalente a apenas 19,6% da receita corrente líquida (bem abaixo do limite de 120% da LRF), a prefeitura pretende ainda tocar, a partir deste ano, o Programa Integrado Sócio-Ambiental (Pisa), que prevê o aumento do nível de tratamento de esgotos da cidade de 27% para 77%. O investimento é de US$ 150 milhões e depende do BID. Segundo Busatto, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, a Caixa Econômica Federal entrar com um terço do valor.

Outros projetos de Fogaça são um "camelódromo" para 800 vendedores ambulantes e a implantação de três grandes portais de transbordo de transporte coletivo para aliviar o trânsito na área central da cidade.