Título: Em Verona, há boas surpresas além dos toscanos
Autor: Lucki, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2007, EU & Investimentos, p. D6

Em clima de certa euforia para os expositores, terminou ontem a 41ª edição da Vinitaly, tradicional feira de vinhos realizada todos os anos nessa época do ano, sempre em Verona, cidade situada à cerca de uma hora de Veneza. O evento não pára de crescer. Há sete anos, 3 mil estandes ocupavam 50 mil metros quadrados. Neste ano a feira, que recebeu um público estimado de 150 mil pessoas, apresentou 4,3 mil estandes, em 86 mil m2.

Isso, sem dúvida, reflete o interesse internacional pelos vinhos italianos. Mesmo em anos de maior crise, como há 3 ou 4 anos, a feira seguiu se expandindo e aumentando o número de pavilhões. Dureza é o expositor arcar com os custos. Um produtor de expressão, que recebe mais gente, chega a gastar, entre estande bem montado, valor correspondente a 500 garrafas de vinhos a serem servidas, e despesas com hospedagem e refeições do pessoal em Verona, algo ao redor de 100 mil euros.

Ainda que seus organizadores dêem destaque à presença de expositores de fora, perto de 25 países, a área que eles ocupam, bem como o movimento lá existente é pequeno. A Vinitaly é efetivamente focada em vinhos italianos e ela consegue, como nenhum outro evento semelhante, ser um painel bastante representativo do cenário vinícola de um país. Pela grande diversidade que a Itália apresenta é, em todo caso, até arriscado fazer tal afirmação.

Em 2006 havia 351 castas inscritas no Catálogo Nacional, 465 Denominações reconhecidas - 34 DOCG (Denominazione di Origine Controllata e Garantita), 313 DOC, (Denominazione di Origine Controllata), e 118 IGT (Indicazione Geografica Típica); 700 mil vinhateiros e 40 mil produtores/engarrafadores.

Esse quadro intrincado é consolidado em províncias concentradas em pavilhões - são ao menos 16. Nos corredores externos, onde gente pouco habituada com a feira tenta descobrir onde está, se concentram os fumantes, impedidos de fumar no recinto dos expositores. A fumaça é tanta que é preferível dar uma volta grande para escapar dos riscos que se atribuem aos fumantes passivos.

A Campânia inovou ao instalar no teto do pavilhão uma maquete de um jardim de oliveiras de ponta cabeça Na realidade, o aumento de área e de pavilhões da feira tem a ver com a ascensão de regiões que não tinham muita expressão no panorama vitivinícolo italiano e hoje vêm ganhando destaque. O melhor e já antes citado como exemplo é a Sicília, um dos pavilhões mais concorridos da Vinitaly e onde é quase impossível circular. Tal congestionamento de gente, acrescido do fato de serem muitos produtores em sua grande maioria ocupando pequenos estandes, torna bem difícil a tarefa de tentar descobrir algum produtor ainda desconhecido, com potencial real de explodir no futuro.

Francesca Planeta, que se juntou com 2 primos em meados dos anos 80 para fundar a vinícola que leva seu sobrenome - hoje estrela maior da Sicília - comentava comigo que a região tem feito realmente grandes progressos nos últimos tempos. Para consolidar uma boa imagem institucional dos vinhos da ilha, ela e mais outros dois produtores de renome tiveram a iniciativa de se reunir e dar assistência a aproximadamente 50 pequenos vinhateiros locais que trabalhavam com seriedade.

O destaque que a Sicília está tendo, não está sendo acompanhado, a despeito de não se questionar que houve evolução qualitativa, pela Puglia, outra província do sul da Itália - o salto da bota. Faz sentido comparar o reconhecimento conseguido por ambas já que elas juntas representavam por volta de 70% do vinho produzido na Itália na década de 60, um volume formado basicamente por tintos baratos, fortes e alcoólicos. Compunham a categoria mais baixa de vinhos em tempos onde consumo per capita do país era de 120 litros por ano - hoje mal chega à metade. Nessa tendência de hoje " beber-se menos e melhor " é que muitas regiões mudaram, ou tiveram que mudar, seus padrões.

Outra forma de medir ou comprovar a diferença entre Sicília e Puglia é a quantidade de vinhos, de cada uma, a alcançar a maior pontuação, os " tre bicchieri " (três taças), atribuídos pelo mais importante guia italiano, o Gambero Rosso. A edição 2007, que comemora 20 anos da publicação, contemplou 283 rótulos. Afora as cinco regiões que habitualmente têm mais vinhos premiados - Toscana, 55, Piemonte, 53, Friuli Venezia Giulia, 29, Veneto, 24, e Alto Adige, 23 - a lista é completada por Sicília, 15, Campania, 13, Marche, 12, Lombardia, 10, Abruzzo, 9, Emilia Romagna, 8, Trentino, 7, Úmbria, 6, Puglia, 5, Sardegna, 4, Valle D´Aosta, 3, Lazio, 2, Basilicata, 2, Liguria, 1, Molise, 1, e Calábria 1.

A Toscana, embora sempre dispute a liderança no Gambero Rosso com o Piemonte, alternando com ele as posições, tem mais expositores, ocupando dois pavilhões e algum chamariz a mais perante o público, pelo menos em termos de compradores internacionais. Isso, neste ano em particular, talvez tenha sido influenciado pela relação dos 100 melhores vinhos do ano publicada na edição de dezembro passado pela revista americana "Wine Spectator": oito vinhos toscanos estiveram nessa lista, inclusive o primeiro absoluto, o Brunello di Montalcino Tenuta Nuova 2001 da vinícola Casanova di Neri, deixando espaço para apenas mais três italianos, que emplacaram, então, onze no total.

Vários desses vinhos puderam ser degustados na feira e, independente do fato de acreditar que análises de vinho estão sempre vinculadas a critérios pessoais, volto a dizer que a "Wine Spectator" continua sendo, para mim, uma referência absolutamente dispensável. Nesse caso, com mais um agravante: o editor e responsável pelo escritório europeu da revista, James Suckling, mora na Toscana.

Discordâncias sobre premiações à parte, não há dúvida que há muita coisa interessante na Toscana. Depois da boa safra de 2001, hoje praticamente disponível apenas para (alguns) brunellos, e depois de dois anos atípicos - 2002 foi chuvoso, com vinhos, em geral, carecendo de concentração, e 2003 muito quente, acarretando falta de frescor e por vezes taninos verdes - o sol voltou a brilhar e os 2004 e 2005 deixaram boa impressão. Têm boa acidez e condições da Sangiovese exprimir boas condições de maturação.

Em alguns casos onde foi possível comparar as duas colheitas lado a lado, seja em produtores que tinham as duas disponíveis, ou nos estandes dos Consorzios - Chianti Clássico e Brunellos em particular - 2005 se sai melhor, com tintos mais vivos e equilibrados. Sobre qualidade de safras, uma avaliação oficial do Consorzio de Brunellos classifica a de 2006 como excepcional. Mas isso só será comprovado em 2011.

No Piemonte essa avaliação se repete, com alguma vantagem para Barolos e Barbarescos 2003, em relação aos tintos toscanos. Eles estão sendo vendidos agora e, pelos que foram provados, as expectativas são bastante boas.

As novidades desta Vinitaly não estavam reservadas apenas aos vinhos. Algumas regiões investiram numa decoração externa rebuscada, caso do Friuli e do Veneto, com grandes painéis envolvendo as fachadas, tirando aquela impressão de galpões despersonalizados de concreto. A Campânia partiu para uma atração diferente. Pediu um projeto arrojado para uma prestigiada arquiteta de Milão, Gae Aulenti. Ela colocou no teto do trecho central do pavilhão uma maquete de um jardim de oliveiras de ponta cabeça. Não estou seguro se foi com o objetivo de representar a fértil paisagem da região, onde há registros de viticultura implantada pelos gregos há mais de 3 mil anos, ou se foi para confundir os que beberam demais.

Em meio a tanta confusão e tanta gente - muitos sem qualquer relação com vinho -, vários produtores de ponta preferem não ter estandes. Alguns fazem eventos paralelos para não perder contato com seus clientes e compradores estrangeiros, como Ângelo Gaja, e La Spinetta. Este, por exemplo, um piemontês notabilizado por Barberas e Barbarescos de primeira grandeza, reservou uma sala especial no recinto da feira mostrando sua gama completa, inclusive de seu novo projeto vitivinicola na Toscana, a Casanova della Spinetta, que não tem, pelo menos por ora o mesmo padrão alcançado pelos de sua região de origem. Gaja, a propósito, também não.

Há, igualmente, produtores que têm boa reputação, pequena produção e não se interessam pela Vinitaly. É o caso de Josko Gravner e Edi Kante, ambos do Friuli e que têm ainda como ponto comum produzirem vinhos diferenciados. Ainda que meio escondidos, usando estandes de amigos, consegue-se provar suas " invenções " .

O primeiro é um inovador, no sentido de ter reinventado o uso da fermentação em ânforas, processo antigo que foi praticamente abandonado. Seus Breg 2001 e Ribbolla 2001 chegam perto da perfeição, para quem quer sair dos brancos normais e normalmente óbvios. São vinhos de cor levemente âmbar, não filtrados, com um paladar amplo, profundo e equilibrado, sem deixar seu lado de frescor com uma sensação de frutas secas. Na mesma linha segue Edi Kante, em especial o Extrò, que só pode ser vocábulo inicial de extravagante. Só para servir de ilustração, no contra-rótulo há uma recomendação que eu jamais imaginaria: " agite antes de usar " . Provando o vinho dá para admitir que ele até pode ser meio maluco, mas é do tipo maluco beleza.