Título: Argentina descarta tarifa que afete sua indústria
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2007, Brasil, p. A4

Ao contrário do Brasil, a Argentina não está tão otimista com o andamento da Rodada Doha e nem pensa em compensar setores prejudicados por uma eventual redução de alíquotas de importação resultante da Rodada. Isso porque não vê nenhuma chance de aprovar um acordo de liberalização comercial nos parâmetros que estão hoje colocados. A posição do principal sócio do Brasil no Mercosul foi expressada pelo Secretário de Relações Econômicas Internacionais do Ministério de Relações Exteriores da Argentina, Alfredo Chiaradia.

Na terça-feira, o ministro brasileiro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, disse que o Brasil já iniciou uma discussão sobre mecanismos para ajudar setores da indústria nacional que serão afetados pela redução de tarifas de importação. Amorim mencionou os setores químico, bens de capital, eletroeletrônico, têxtil e automobilístico como alguns dos que podem ser mais afetados em uma eventual rodada de corte de alíquotas de importação.

Em entrevista ao Valor quarta-feira, Chiaradia disse que a Argentina - assim como outros países como África do Sul, Índia e Venezuela - não aceitam as ofertas de abertura na área agrícola que estão sendo feitas pelos países ricos dentro da Rodada Doha, e por isso não pretende assinar qualquer acordo nas bases dadas até agora. Para ter validade, o acordo tem que ser assinado por todos os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC).

"Pelo que estão me dando em agricultura não tenho o menor interesse em abrir o que pedem. O que pedem é um corte de tarifa exagerado, que vai a 60% a 65%", disse Chiaradia, referindo-se ao corte em tarifas industriais pedido por Estados Unidos e Europa. Segundo ele, os países em desenvolvimento necessitam preservar suas fontes de trabalho na indústria e estão em condições de cortar suas tarifas de importação na área industrial, porém em proporções bem menores do que o que os ricos estão pedindo. "Estamos preparados para fazer cortes equivalentes dentro do conceito de reciprocidade menos que plena, ou seja, os países desenvolvidos tem que cortar mais. Eles não estão cortando nem 30% e querem que nós cortemos 60%", afirmou.

Chiaradia disse que, ao contrário do Brasil, a Argentina não tem intenção de permitir que setores importantes sejam afetados a ponto de necessitar medidas de apoio. "O Brasil pode estar negociando por si", comentou o diplomata, dizendo-se surpreso com os números mencionados por Amorim - redução da tarifa média de importação dos atuais 29,8% para algo em torno de 11% e 12,8%. "A tarifa industrial do Brasil não é do Brasil, é do Mercosul, não pode ser reduzida (se os outros sócios do bloco não concordarem)", disse ele.

Sobre a inclusão gradual da Argentina, China e outros seis países importantes nas conversações da Rodada, hoje limitada ao G-4 (Brasil, Estados Unidos, União Européia e Índia), defendida pelo ministro Celso Amorim, Chiaradia disse que "agradecemos a manifestação do ministro", mas que não tem interesse em aprofundar sua participação se não houver "eqüidade" no processo de negociação.

"Não pode ser uma negociação comercial dura, no sentido de que os países em desenvolvimento entregam dez e recebem dez". Para ele, os países desenvolvidos têm que dar mais que as nações em desenvolvimento, principalmente na agricultura, porque são os que têm mais capacidade para financiar um eventual ajuste das economias. "Primeiro porque são ricos; e segundo porque a população deles que trabalha na agricultura não é mais que 2% ou 3%".