Título: Efeito dominó
Autor: Cotias, Adriana e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 28/02/2007, EU & Investimentos, p. D1

Madrugada no Brasil. Enquanto os investidores no Ocidente dormiam o sono dos justos, o índice Xangai Composite da bolsa chinesa caía 8,8%, a maior desvalorização desde fevereiro de 1997, e prenunciava um dia de perdas expressivas para as bolsas mundiais. A data por si só já provoca calafrios, pois remonta ao ano da Crise Asiática, que abateu meio planeta. O desempenho arrastou os principais mercados e, no Brasil, o Ibovespa recuou 6,63%, o pior resultado desde 13 de setembro de 2001.

Mudanças à vista na regulamentação do mercado de capitais chinês somaram-se a declarações do ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) Alan Greenspan e a dados mais fracos da atividade econômica americana. O "senhor dos mercados" de sempre - que alertou para os riscos da "exuberância irracional" às vésperas do estouro da bolha da internet - cogitou, numa conferência em Hong Kong, que a economia americana pode se ver às voltas com uma recessão até o fim do ano. Com tais ingredientes, o caldo estava pronto para entornar. E entornou mesmo.

Para os analistas, a combinação desses fatores foi o pano de fundo para investidores do mundo todo embolsarem os acentuados lucros acumulados com ações neste primeiro bimestre. Mas a percepção é de que se trata de um movimento passageiro e que nenhum dos componentes, avaliados isoladamente, têm potencial de fazer estragos duradouros. É preciso observar, porém, os próximos movimentos, advertem. Para o estrangeiro, que entrou no Brasil com o câmbio mais do que convidativo, não custa nada vender o que tem e ainda contabilizar um excelente retorno, voltando quando a poeira baixar. No meio do vendaval, a melhor estratégia para o aplicador local é não se deixar levar pelo pânico e até avaliar oportunidades. Isso vale também para quem aplica em multimercados, fundos que devem sofrer com perdas em bolsa.

No seu discurso, Greenspan discorreu sobre a teoria dos ciclos econômicos. Disse que quando a uma economia se distancia de uma recessão, criam-se forças para uma próxima emergir. Um dos sinais, segundo defendeu, é que as margens de lucros das empresas americanas começam a se estabilizar. Falou do fim de um ciclo, mas o ritmo da atividade dos Estados Unidos ainda não corrobora a visão do chamado "hard landing", o pouso forçado, diz o economista da Mauá Investimentos, Caio Megale. Para ele, embora o setor de bens duráveis americano venha dando sinais de enfraquecimento nos últimos trimestres, consumo e serviços, que representam 80% do PIB, continuam mostrando desempenhos satisfatórios.

Na China, o governo sinaliza com medidas para impor um freio ao capital especulativo na bolsa e às operações alavancadas. O aumento do compulsório dos bancos seria a forma de inibir a tomada de empréstimos para a compra de ações. Mas o mercado tem pouca participação do investidor estrangeiro, já que as aplicações diretas são restritas, conta Megale. "É difícil pensar num contágio partindo dali, já que é uma bolsa de atuação essencialmente local", diz.

O objetivo do governo chinês é desinflar o mercado acionário, que vem à toda, afirma o diretor de Pesquisa Econômica e estrategista para a América Latina do WestLB, Ricardo Amorim. As medidas ainda incluem o endurecimento nas regras para a emissão de ações. Nos últimos meses, o mercado chinês registrou uma avalanche de novas empresas. "Os chineses estavam se alavancando muito para comprar ações e o encarecimento dos empréstimos deve diminuir sensivelmente o poder de investimento", diz.

A última das medidas, conta Amorim, é o aumento do rigor no controle de capitais estrangeiros, o que em tese não afetaria outros mercados além do chinês. Então por que o efeito dominó ? A questão é que o pressagiado pacote de combate à especulação vem num momento em que os investidores do mundo inteiro possuem grandes posições em renda variável em vários países, especialmente os emergentes. "Eles estão comprados em excesso e aproveitaram essa combinação para realizar lucros", diz.

O raciocínio é simples: ao primeiro sinal de problemas, o investidor não pensa duas vezes em vender suas ações, colocar os lucros no bolso e esperar o cenário desanuviar. E os ganhos não são poucos. Em 2006, por exemplo, o principal indicador do mercado acionário chinês subiu 160% e só nas últimas duas semanas se valorizou mais 15%.

Dentro desse cenário, Amorim acredita que a queda acentuada dos mercados não deve passar de um ajuste e que pode representar uma excelente oportunidade de compra de ações a preços bem mais amigáveis. É o que vislumbra também Megale, da Mauá Investimentos.

O cenário muda de figura, entretanto, se o controle de capitais na China for extensivo aos investimentos diretos no país, diz o diretor de Renda Variável da Fundação Cesp, Paulo de Sá Pereira. "Isso provocaria um efeito em cadeia: menos investimentos reduzem o crescimento da China, que abala o ciclo de alta das commodities, o que por sua vez afetaria o crescimento do mundo inteiro."

Já Greenspan, nas suas declarações, apenas verbalizou o que todo mundo que analisa diariamente os números dos Estados Unidos já sabe, completa Amorim, do WetLB. "Quem se assustou com essas declarações é porque não está olhando os indicadores americanos no dia-a-dia."

É prematuro falar em recessão americana e a temida bolha imobiliária só se configurou como um desaquecimento do setor, sem explosão ou maiores conseqüências sobre os resultados dos bancos, contrapõe o sócio da Mercatto Gestão de Recursos Paulo da Veiga Monteiro. E a menor demanda por residências pode ter um efeito positivo sobre a inflação, já que a maior oferta de imóveis tem o potencial de reduzir o preço dos aluguéis.

Com a continuidade da queda dos juros no Brasil, embora a um ritmo menor do que o observado em 2006, o cenário de Monteiro para o Ibovespa segue positivo, com expectativa de valorização entre 20% e 25% neste ano. Para ele, nem tudo está barato e as oportunidades estão nos setores ligados à agroindústria, papel e celulose e metal e eletromecânica.