Título: Tormento sem fim
Autor: Braga, Gustavo Henrique
Fonte: Correio Braziliense, 21/12/2010, Economia, p. 12

AVIAÇÃO Passageiros voltaram a sentir os transtornos nos aeroportos do país, onde 14,6% dos voos saíram com mais de meia hora de atraso ontem

Os transtornos nos aeroportos brasileiros voltaram a ser rotina neste fim de ano. Até as 19h de ontem, 14,6% dos voos decolaram com mais de meia hora de atraso, nível acima do limite de 10% aceito pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Entre as companhias, a Webjet foi a líder na demora pelo terceiro dia consecutivo, com falta de pontualidade em 46,5% dos embarques. No fim de semana, mais da metade das saídas da empresa extrapolou o horário em 30 minutos. O caos aéreo pode piorar a partir da quinta-feira, quando os trabalhadores do setor prometem entrar em greve. De olho no problema, o Ministério Público do Trabalho convocou uma reunião hoje para tentar resolver o impasse.

Desta vez, o destaque foi o terminal de Guarulhos (SP), onde um em cada quatro voos atrasou, conforme boletim da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Em Brasília, o índice foi de 16,6%. Em nota, a Webjet informou que a falta de pontualidade foi motivada pelo grande fluxo de passageiros, com filas em check-in e nos raios-X, o que dificultou as operações. Para mitigar os problemas, a empresa chegou a reforçar as equipes de solo e a firmar um acordo com a Infraero para conseguir mais duas posições de atendimento no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS). A TAM vem logo atrás em percentual de atraso, com 19,4%. A companhia não apresentou qualquer justificativa para a demora.

Desorganização Ontem, a socorrista Alexandra Dias, 35 anos, chegou a se sentir mal devido à falta de informações sobre o voo do filho, Michael Santos Silva, 13 anos. Ele deveria ter chegado a Brasília às 12h15, vindo do Rio de Janeiro pela Webjet, mas só conseguiu chegar três horas e meia depois. ¿Quando me disseram que o nome dele não estava na lista do voo original, quase tive um troço. Como uma companhia aérea faz isso com as pessoas? Vou processá-la pela desorganização¿, desabafou.

Só durante a manhã, o Juizado Especial localizado no Aeroporto de Brasília registrou 11 reclamações, a maioria por atraso e cancelamento de voos. As queixas incluíam também overbooking e extravio de bagagem. A professora Alessandra Soares, 35 anos, se surpreendeu com a lotação do aeroporto quando foi buscar o filho Matheus, 14, que vinha de Palmas (TO) pela Gol. ¿Falta infraestrutura. Até para estacionar foi difícil, sem contar o alto preço que cobram por uma vaga¿, criticou. ¿Para piorar, nosso filho chegou com 30 minutos de atraso¿, emendou Enoque Rodrigues, pai do adolescente.

Na avaliação de Marcos Morita, professor da Universidade Mackenzie, a solução para o caos seria as empresas do setor redefinirem a capacidade produtiva, com investimentos no conjunto de instalações, equipamentos, mão de obra, recursos e infraestrutura. ¿Pensar em agradar os clientes é pura utopia nestes dias em que a zona de tolerância e as expectativas já estão para lá de negativas¿, avaliou.

CONHEÇA SEUS DIREITOS

Os direitos dos passageiros estão assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Resolução nº 141/2010 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e por uma liminar obtida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e de outras entidades de defesa do consumidor que dão outras garantias. Confira os principais:

Informação » A companhia deve comunicar aos passageiros sobre o atraso, o motivo e a previsão do horário de partida do voo, além de entregar folhetos explicativos com os direitos do cliente.

Reacomodação » O passageiro prejudicado por overbooking (quando os bilhetes vendidos superam o número de assentos), cancelamento ou interrupção de voo têm prioridade de reacomodação. Novos bilhetes só devem ser oferecidos após o atendimento de todos os consumidores prejudicados. No caso de passagem vendida sem o lugar correspondente, o usuário deve ser recompensado se ele se predispuser, voluntariamente, a embarcar em outro voo.

Reembolso » O consumidor tem direito à devolução integral do valor pago pelo bilhete em caso de atraso superior a quatro horas, cancelamento do voo ou overbooking. O ressarcimento deve ser imediato se a passagem estiver quitada. Se tiver sido paga no cartão de crédito com parcelas a vencer, deve seguir a política da administradora do cartão.

Assistência material » A partir de uma hora de atraso, a companhia deve oferecer ao passageiro facilidade de comunicação, como ligação telefônica e acesso à internet. A partir de duas horas, fica garantida também a responsabilidade da empresa pela alimentação. A partir de 4 horas de espera, o consumidor tem direito a acomodação em lugar adequado e, quando necessário, a serviço de hospedagem.

Endosso » Caso comprove a urgência da viagem, o consumidor pode exigir o endosso imediato do bilhete para voar por outra companhia aérea. Esse direito está garantido pela liminar e tem beneficiado inúmeros passageiros.

Fonte: Idec

Negociação emperrada

As negociações salariais entre as companhias aéreas e seus trabalhadores estão empacadas. Os aeroviários cobram reajuste de 13% e os aeronautas, de 15%. As categorias querem também elevação de 30% no piso, que hoje é de aproximadamente R$ 700. Em nota, o Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA) informou que as duas classes já receberam aumento de 6,08% este ano, referente à inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

O reajuste foi pago no contracheque de dezembro e no 13º salário. O sindicato patronal afirma ainda que o setor de transporte aéreo concedeu, nos últimos cinco anos, 6% de ganho real. ¿O SNEA considera que as negociações ainda podem evoluir e qualquer paralisação que venha a prejudicar as operações é prematura e inoportuna¿, assinalou a entidade. Os trabalhadores afirmam que o setor aéreo passou por várias crises, com falências de companhias e quedas de aeronaves, o que dificultou as conversas com as empresas.

Apagão Em 2010, o quadro é mais favorável, com a demanda de passageiros acumulando alta de 24,3% de janeiro a novembro, segundo dados da Anac. A Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil (Fentac) alerta que extrapolação de carga horária devido ao grande fluxo de viajantes neste fim de ano levará o setor a viver um novo apagão, independentemente de haver greve ou não. (GHB)