Título: Laboratórios pressionam governo por drogas caras
Autor: Vieira, André
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2007, Empresas, p. B5

Os laboratórios farmacêuticos estão pressionando o governo para que amplie a lista de medicamentos de alto custo. Ao mesmo tempo, o governo admite que não dispõe de todo o recurso para aumentá-la, embora prometa incluir novos medicamentos no programa dentro das novas regras fixadas no fim do ano.

O embate entre farmacêuticas e governo agravou-se nos últimos meses. A lista de alto custo - também conhecida como de medicamentos excepcionais - inclui os remédios para doenças raras e que dependam de tratamentos continuados. Em outubro, o Ministério da Saúde revisou a lista de remédios que cobre esquizofrenia, hepatites tipo B e C, insuficiência renal crônica, mal de Parkinson, entre outras.

Foram incluídos apenas dois novos medicamentos na lista de 105 produtos, o que trouxe insatisfação às farmacêuticas que esperavam havia quatro anos pela inclusão de um número maior de drogas.

"Foi uma frustração", disse Davaney Baccarin, presidente da Genzyme no Brasil. A empresa de biotecnologia americana tem duas drogas para o tratamento de doenças raras à espera da inclusão na lista desde o início de 2006, o Aldurazyme e o Fabrazyme, já aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). "Temos expectativa de que sejam incluídas neste ano."

A Genzyme fornece gratuitamente as drogas aos pacientes necessitados. A doação dura cerca de três meses e atende, por droga, 40 a 45 pacientes. "Depois, as famílias acabam obtendo a droga mediante decisão da Justiça", disse Baccarin.

A maioria das drogas de alto custo depende exclusivamente de vendas ao governo, e as empresas reclamam que não conseguem vendê-las no Brasil se não estão incluídas na lista oficial. Há indústrias com medo de reclamar sob o risco de represálias. Mas fazem questão de dizer que a Constituição brasileira obriga a cobertura universal.

O setor privado estima que existam cerca de 70 medicamentos na fila de espera. O Ministério da Saúde não confirma o dado. Para este ano, a proposta é gastar R$ 1,58 bilhão, 16% a mais do que em 2006.

No primeiro mandato do governo Lula, as despesas cresceram 177% ao passo que a lista ficou praticamente inalterada, o que leva a crer que a cobertura de pacientes também cresceu.

O valor atual consome um terço do orçamento de assistência farmacêutica do Ministério da Saúde, que inclui também o programa de aids e o de medicamentos básicos. Em média, a União, que elabora a lista, financia 80% do valor de referência do medicamento, reembolsando as secretarias estaduais de Saúde, responsáveis pelas compras.

A lista tem provocado disputa até entre as empresas. Na primeira quinzena de dezembro 2006, depois de esperar por quatro anos para incluir uma droga antipsicótica na lista, o presidente da Bristol Myers-Squibb, Mário Grieco, enviou carta ao ministro da Saúde reclamando da decisão do governo de manter a droga Abilify, contra esquizofrenia, fora do rol de alto custo.

A Bristol argumenta que sua droga, de terceira geração, poderia gerar maiores economias aos cofres do governo do que o Zyprexa, fabricado pela Eli Lilly, cujo valor de reembolso foi aumentado na última revisão.

"O governo demonstra incoerência em adotar parâmetros que não levam em consideração fatores farmaeconômicos", disse o diretor da Bristol, Antonio Carlos Salles. As vendas da droga, que consumiu milhões em investimentos da Bristol, são praticamente inexistente no país, exceto por medida judicial.

A Novartis, que tem seis medicamentos à espera , disse que deixou de ganhar cerca de R$ 15 milhões apenas com quatro delas. "No fundo quem perde é o paciente que não tem acesso a uma droga que poderá salvar sua vida", disse o diretor de assunto corporativo da Novartis, Nelson Mussolini.

O executivo vai mais longe e critica alguns critérios fixados pelo governo. Lembra que o Excelon, para o tratamento de Alzheimer, possui posologia para 60 comprimidos ao mês, mas que o governo diminuiu em outubro sua posologia para 30 comprimidos. "O paciente ficará sem remédio na metade do mês."

Mussolini citou ainda o fato de o Exjade, um medicamento para talassamia maior, ter sido indicado também para o tratamento de outras doenças cujo registro não é aprovado pela Anvisa.

O Ministério da Saúde tem alegado que os custos têm aumentado muito nos últimos anos e que a enxurrada de pedidos da indústria poderia provocar problemas de sustentabilidade no programa.

"Não é por que um medicamento tenha sido aprovado pela Anvisa é que tem de entrar automaticamente na lista", disse o ministro da Saúde, Agenor Álvares. "A introdução de um novo medicamento tem um impacto financeiro no programa, que pode afetar sua sustentabilidade."

No fim do ano, governo aprofundou as exigências para a inclusão dos medicamentos na lista. Criou um grupo que analisará todos os pedidos, a Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde (Citec).

Com a medida, os laboratórios farmacêuticos estão sendo obrigados a se apressarem: até março, eles devem submeter os dossiês de seus medicamentos - inclusive os antigos já apresentados - sob os novos critérios. O governo poderá receber os dossiês duas vezes ao ano, uma vez em cada semestre.

Pelas novas regras, as indústrias terão de demonstrar, além do que faziam habitualmente sobre a eficácia dos medicamentos, estudos sobre os impactos econômico no programa e comparar com outros medicamentos já existentes. "Temos regras mais claras e, com a Citec, a lista passará a ser sempre revista", disse o ministro da Saúde.