Título: Todos no espaço, inseguros e vigiados
Autor: Guimarães, Lázaro
Fonte: Correio Braziliense, 21/12/2010, Opinião, p. 19

As mensagens surrupiadas da diplomacia norte-americana e lançadas na internet pelo WikiLeaks não expõem apenas segredos de Estado ou fofocas palacianas, mas revelam o lado obscuro das organizações que se apresentam como defensoras da privacidade e, contraditoriamente, invadem o âmbito pessoal de tantos envolvidos na correspondência de caráter confidencial.

Os gregos e romanos souberam distinguir perfeitamente o público e o privado, atribuindo os negócios de interesse geral à livre discussão nas praças (ágora) e excluindo a vida pessoal e familiar das intervenções de terceiros. O mundo contemporâneo eliminou por completo essa distinção. Ninguém mais está protegido nas suas relações íntimas, nas suas conversas, na sua imagem, na preservação dos seus dados pessoais, porque tudo está lançado ao espaço virtual, às interceptações telefônicas ou de ligações por meios eletrônicos.

Essa total e indistinta transparência tem alguns aspectos positivos, como a amplitude da informação, a supressão dos limites espaciais da comunicação, mas implica também na opressão do indivíduo, que já não conta com a incolumidade da sua esfera pessoal, e em sérios riscos sociais.

Outro aspecto dessa gigantesca onda de informações é o descampado em que hoje se encontram dados vinculados à segurança nacional. Tomem-se exemplos como a revelação da vulnerabilidade do espaço aéreo de Brasília, ou dos locais em que se situam ogivas nucleares na Europa e nos Estados Unidos. Tais revelações só interessam aos agentes do terrorismo internacional.

Os diplomatas têm o dever de comunicar aos superiores suas impressões extraídas de conversas com autoridades dos países em que servem. As pessoas referidas também têm direito à preservação da sua intimidade. Todo esse aparato que serve tradicionalmente às relações entre os países é quebrado no momento em que as mensagens confidenciais são levadas ao conhecimento público em dimensão mundial.

Os líderes privatistas que cometeram essa indevida apropriação de documentos e os que os apoiam mediante novas invasões de sítios virtuais de grandes empresas agem tão contraditoriamente como os ativistas antiaborto que se postaram na frente de clínicas médicas para agredir fisicamente médicos e suas pacientes, chegando a matar algumas.

Os jornalistas, por sua vez, deveriam filtrar essas informações, evitando disseminar aquelas que comprometem a segurança, a intimidade, a honra e a vida das pessoas. Já se foi o tempo em que o código de ética nas comunicações impunha aos profissionais o dever de impedir a circulação de notícias suscetíveis de provocar danos graves reflexivos, como, por exemplo, o cometimento de suicídio.