Título: Manufaturado do Brasil ganha mercado no Oriente Médio
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2006, Brasil, p. A3

A grife de roupas femininas Patachou já conhece bem as mulheres do Oriente Médio. Os vestidos - desenhados especialmente para essa região do globo - são mais longos. O comprimento das saias chega aos tornozelos e os decotes das blusas são discretos. Recatadas nas formas, as clientes desses países abusam das cores fortes no verão, bem ao estilo brasileiro.

Andrea Ribas, gerente de exportação da Patachou, diz que, mesmo nos países onde os costumes religiosos são mais rigorosos, como na Arábia Saudita, as mulheres gostam de se vestir bem quando estão em casa, para agradar aos maridos. "Elas consomem muito, muito mesmo", conta a executiva.

A Patachou vende roupas com a marca Tereza Santos para o Oriente Médio desde 2002 e viu a participação dessa região atingir 25% do total das exportações. As vendas começaram quase que por acaso, com visitas de negociantes árabes aos showrooms da marca em Londres e Paris, onde os negócios com esses países são fechados até hoje.

A grife é uma das empresas brasileiras que está aproveitando o boom de consumo vivido pelos árabes. Com o preço do petróleo nas alturas - chegou ao pico de US$ 78 por barril em agosto -, os países do Oriente Médio reverteram déficit em conta corrente de US$ 25,7 bilhões em 1998 em um robusto superávit que deve atingir US$ 240 bilhões esse ano, conforme previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI). É bastante dinheiro para gastar.

As importações totais do Oriente Médio e do norte da África aumentaram quase 60% entre 2000 e 2004, segundo os últimos dados disponíveis do Banco Mundial. Apesar do petróleo abundante na região, ou talvez até por isso, a agricultura e a indústria dos países árabes são pouco desenvolvidas. Essas nações importam tudo: alimentos, roupas, calçados, móveis, insumos para a construção civil.

Os empresários brasileiros relatam que, com os conflitos entre árabes e americanos, esses mercados, tradicionalmente ligados aos Estados Unidos, estão diversificando seus fornecedores. A China, próxima geograficamente, já marcou presença e inaugurou em Dubai, nos Emirados Árabes, o maior centro de distribuição de produtos chineses no mundo. Em escala bem menor, o Brasil também aproveita as oportunidades e conquista espaço.

Entre 2000 e 2005, as exportações brasileiras para o Oriente Médio cresceram 220%, para US$ 4,3 bilhões - um ritmo de aumento mais acelerado que as importações totais da região. Antes dominada por açúcar, carnes e outras commodities, a pauta de exportação está se diversificando. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) apontam que a participação dos produtos manufaturados no total das exportações do Brasil para o Oriente Médio subiu de 24% em 2000 para 38% no ano passado.

"No agronegócio, a posição brasileira já está consolidada, mas também estão aumentando as vendas de outros itens como máquinas, tratores, cosméticos", conta Antônio Sarkis Filho, presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. O país está exportando até aviões para o Oriente Médio. A Embraer vendeu em 2005 e entregou esse ano 15 aviões para a Arábia Saudita. Em março, mais um pedido, dessa vez da Jordânia. Serão sete aviões e o início das entregas começará no quarto trimestre desse ano - o que sinaliza exportações fortes para essa região do mundo em um futuro próximo.

A fabricante de perfumes L´acqua de Fiori está aprendendo a exportar com as vendas para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes. "É difícil convencer os mercados lá fora a comprar perfume brasileiro", diz Leopoldo Mesquita, diretor-presidente da empresa, garantindo que seu produto não deve em qualidade para os europeus.

Os perfumes da L´acqua de Fiori enviados ao Oriente Médio são os "top de linha" feitos com ingredientes específicos para esse mercado, já que as leis muçulmanas proíbem a comercialização de álcool. A empresa espera exportar US$ 500 mil esse ano - um percentual pequeno perto do faturamento total de R$ 120 milhões da L´acqua de Fiori, que conta com mais de 800 franqueados no país.

Como a quantidade embarcada é pequena, Mesquita não desiste da exportação, apesar da alta do real. "Vale a pena por conta da experiência de atuar no mercado externo", diz. Outro fator torna a exportação competitiva: impostos. Graças aos altos tributos cobrados no mercado interno para cosméticos e perfumes, itens considerados supérfluos, um mesmo perfume, que é vendido por R$ 40 no Brasil, sai por US$ 8,5 na exportação.

A Arezzo é uma veterana no Oriente Médio. Há quatro anos, a empresa possui lojas franqueadas que vendem seus calçados nos principais shoppings da Arábia Saudita. Mário Goldberg, gerente de expansão da franquias, conta que as vendas na região crescem entre 10% a 15% ao ano. A Arezzo conta com quatro lojas franqueadas na Arábia Saudita, seis na Venezuela e uma no Paraguai.

Goldberg diz que a empresa também exporta para outras regiões do mundo por meio de distribuidores, mas só opera com franquias quando o mercado está maduro. Apesar do real forte, a Arezzo pretende abrir franquias em Portugal em 2007. No início, serão duas lojas, mas o plano é chegar a 27 em cinco anos.

As empresas que atuam no Oriente Médio reclamam menos da valorização do real. Andrea, da Patachou, diz que é mais fácil reajustar preços nesses mercados e compensar as perdas cambiais. As companhias do setor de construção civil não têm a mesma percepção, por conta da forte concorrência dos chineses, mas relatam que o tamanho da demanda an região compensa a menor lucratividade.

Esses fatores ajudam a explicar o vigor das vendas do Brasil para os países árabes em comparação com outras regiões do mundo. De janeiro a agosto desse ano em comparação com igual período de 2005, as exportações do Brasil para o Oriente Médio cresceram 22%, acima da média de 16% do país, atrás apenas da alta de 24,5% nas vendas para a América Latina - outra região onde é forte o poder de barganha das empresas brasileiras na hora de reajustar preços. Nos Estados Unidos, o dólar incomodou mais e as vendas do Brasil cresceram apenas 8%.

Apesar do crescimento expressivo e da diversificação, as vendas do Brasil para o Oriente Médio ainda são pouco representativas. Os US$ 3,35 bilhões vendidos para os árabes de janeiro a agosto desse ano equivalem a 3,8% dos embarques totais. A região só ganha da Europa Oriental, que responde por 3% das exportações, mas perde até da África, que está com 5,3%. América Latina, Estados Unidos e União Européia são os principais destinos das exportações brasileiras, com participação, respectivamente, de 23%, 22% e 18% de janeiro a agosto.

Para o economista Sérgio Vale, da MB Associados, o ingresso das empresas brasileiras nos mercados do Oriente Médio é recente e foi incentivado pelo aumento dos preços do petróleo, que enriqueceu novamente essa parte do planeta. "Mas essa região é muito instável. O Brasil também precisa ampliar suas relações com os grandes mercados", alerta o economista.

A guerra entre Israel e Líbano, por exemplo, deixou as empresas brasileiras em compasso de espera. Com o fim do conflito, os clientes da Patachou confirmaram os pedidos, mas outras companhias não esperam exportar para o Líbano esse ano.