Título: Empresas investem pesado em ferrovias
Autor: Garrido, Juan
Fonte: Valor Econômico, 31/10/2006, Caderno Especial, p. G2

A julgar pelos pesados investimentos feitos em 2006, as maiores operadoras de logística do país levam ao pé da letra os preceitos dos especialistas da área, para os quais não se pode nem sonhar em continuar participando do setor sem a determinação de realizar grandes aportes de recursos. As perspectivas de continuidade de inversões para os próximos anos por parte de gigantes como Vale do Rio Doce, ALL e MRS Logística, apenas confirmam isso. No caso específico do segmento ferroviário, os custos fixos de operação são enormes, o que torna a escala uma questão crucial para se obter sucesso.

No horizonte de quatro anos, por exemplo, a MRS estará investindo US$ 1 bilhão. "Queremos ter capacidade para transportar 200 milhões de toneladas úteis em 2010", diz Júlio Fontana Neto, presidente da empresa, controlada por gigantes como Vale, Gerdau, Usiminas e CSN, e que tem como artéria central a Ferrovia do Aço, que liga Belo Horizonte (MG) e Barra Mansa (RJ). Nos últimos 10 anos, a MRS investiu cerca R$ 2 bilhões e ampliou em 170% o volume de carga transportada, passando de 42 milhões de toneladas em 1996 para as projetadas 114 milhões neste ano.

Na Vale, por seu lado, os investimentos em logística serão de US$ 785 milhões em 2006, grande parte dos quais no segmento ferroviário. Líder na operação logística no país, com opções diferenciadas de serviços multimodais (mas com as ferrovias participando com cerca de 80% na receita), a Vale havia investido, em 2005, outros US$ 760 milhões.

Também peso pesado, a ALL Logística fez uma grande aquisição este ano. Pagando R$ 1,405 bilhão em ações, comprou a Brasil Ferrovias - reunião das empresas Novoeste, Ferroban e Ferronorte. Seu orçamento prevê que os recursos a serem aportados para gerar lucros dentro de três anos serão de R$ 2,5 bilhões. A operadora tem quase 21 mil quilômetros de trilhos, integrando sua malha no Sul às linhas que ligam estados do Centro-Oeste como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (celeiros agrícolas) e São Paulo, o centro industrial do país. Dona, na Argentina, das ferrovias Meso e Bap, a ALL a única operadora brasileira a ter acesso à América Latina. Entre 1997 e 2005 os investimentos em via permanente, locomotivas, vagões e tecnologia chegaram a R$ 1,1 bilhão. Só em 2005 foram investidos R$ 250 milhões pela ALL e mais de R$ 200 milhões pelos clientes.

O minério de ferro e o aço são as cargas mais movimentadas pelas operadoras, tanto que muitas das inversões dos próximos quatro anos citadas por Fontana, da MRS, estão voltadas para atender essa área. "Acho até que pelo sem-número de siderúrgicas e novos investimentos anunciados todo dia nos jornais, nossa previsão de chegar às 200 milhões de toneladas é bastante factível e não um exercício de futurologia", diz. Os investimentos serão na via permanente e na melhoria de produtividade. Um dos focos é trazer o que há de mais moderno em tecnologia para poder fazer circular mais trens no mesmo espaço físico. "Mas vamos comprar mais vagões e locomotivas novas porque isso também aumenta a produtividade."

Depois de amargar um período duro de endividamento (quase todo em dólar) após a maxidesvalorização do real de janeiro de 1999, a MRS emergiu em 2005. Para quem chegou a ter um patrimônio líquido negativo, o lucro líquido de R$ 410 milhões exibido em 2005 significa um galardão. A tendência segue neste ano, quando, só no primeiro semestre, o resultado positivo foi de R$ 212 milhões. Apesar da gestão interna eficiente, Fontana admite que sair do fundo do poço foi possível em parte pela crescente demanda internacional por minério de ferro e aço.

Para o horizonte de 2015 ou 2016, o presidente da MRS arrisca que a operadora terá condições de transportar entre 250 e 300 milhões de toneladas úteis, mas acha que estará chegando ao seu limite físico de capacidade. A partir daí teria que pensar na exploração de ferrovias em outros países latino-americanos.

Antes, Fontana diz que será preciso resolver o gargalo da Ferrovia do Aço, por onde é transportado o grosso das mais de 10 milhões de toneladas mensais que a empresa movimenta. A ferrovia começou a ser construída em 1973, durante o regime militar, e pelo projeto original - em via duplicada - os trilhos iriam de Minas para São Paulo (e não para o Rio de Janeiro como hoje). A obra ficou parada por vários anos por falta de recursos e só foi concluída 14 anos depois, por meio de acordos montados por Augusto de Azevedo Antunes, então presidente da Caemi.

Fontana explica que, quando foram retomadas as obras, a Ferrovia do Aço seguiu a concepção de linha singela, dirigindo-se para o Rio a partir do ponto onde havia sido suspensa, no município de Bom Jardim de Minas. Como se trata de uma região onde há muitos túneis e viadutos, a duplicação desse trecho, necessária para aumentar a capacidade da ferrovia, resultaria muito cara e só o governo teria condições de fazê-la.

Enquanto isso não acontece, um dos projetos da MRS é a ampliação do transporte de contêineres, que, em geral, são usados para movimentar produtos de maior valor agregado. Em 2006, a empresa já registrou aumento no transporte de TEUs (contêineres de 20 pés). De janeiro a agosto, transportou 79.894 TEUs, contra 74.319 do mesmo período de 2005. Mas como o porto de Santos ainda é o de maior fluxo de contêineres no país, Fontana vê outro entrave a ser vencido. Este dentro da cidade de São Paulo, onde há um conflito entre os trens de cargas e os da CPTM, de passageiros. "A solução será a construção do Ferroanel, porque em boa parte do período diurno estamos impossibilitados de trafegar por dentro de São Paulo."

No caso da Vale, sua movimentação está mais concentrada na rota que liga Goiás, Espírito Santo e Minas Gerais ao porto de Tubarão (ES), mas a empresa também opera no Nordeste, tendo o porto de Itaqui (MA) como destino. Os recursos para a área de logística da empresa nos últimos três anos aumentaram a sua capacidade de movimentação de cargas das ferrovias e dos terminais marítimos. Nesse período, adquiriu 11.565 vagões e 262 locomotivas.

A Vale é responsável por 16% da movimentação de cargas do Brasil, 65% da movimentação portuária de granéis sólidos e 39% da movimentação do comércio exterior nacional. Desde 2000, mantém uma taxa de crescimento anual de 10% no transporte de cargas de terceiros. Hoje sua área logística conta com 9.820 quilômetros de malha ferroviária, oito terminais portuários próprios, além de pátios e armazéns para atender segmentos como siderurgia, agricultura, construção, produtos florestais, químicos, combustível, automobilístico e de bens de consumo.

No primeiro semestre de 2006, as ferrovias da Vale - Carajás, Vitória a Minas, Centro-Atlântica e MRS - transportaram 14,1 bilhões de toneladas por quilômetro útil (TKU) para clientes. No mesmo período de 2005, foram transportados 7, 7 bilhões de TKU. As principais cargas transportadas foram insumos e produtos da indústria do aço (48,3%), produtos agrícolas (32,3%) e insumos para construção civil e produtos florestais (8,5%).

A receita com com serviços de logística para clientes foi de R$ 1,599 bilhão nos primeiros seis meses deste ano, contra R$ 1,572 bilhão no mesmo período de 2005. O transporte ferroviário produziu receita de R$ 1,224 bilhão, os serviços portuários R$ 233 milhões e a navegação marítima de cabotagem e os serviços de apoio portuário, R$ 143 milhões. Os portos e terminais marítimos da Vale movimentaram 13,97 milhões de toneladas, ante 8,28 milhões no primeiro semestre de 2005.

Pelos lados da ALL Logística, dona agora da maior malha ferroviária do país, o objetivo mais imediato é recuperar a Brasil Ferrovias. Está nos planos da companhia trocar trilhos e equipamentos de sinalização, comprar novos vagões, adquirir computadores para controle e movimentação das composições e reduzir os gargalos operacionais.

Operadoras como a ALL, MRS e outras voltam-se cada vez mais a agregar serviços a suas operações e fidelizar clientes por meio de transporte dedicado, que envolve planejamento, implementação e controle do fluxo via projetos personalizados. Para especialistas em logística, as ferrovias têm um potencial enorme de crescimento por serem uma alternativa viável ao caminhão. Segundo alguns cálculos, um vagão ferroviário pode transportar a carga de três caminhões de 35 toneladas cada.