Título: Lula discute com papa acordo sobre Igreja no Brasil e diz que país é Estado laico
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 11/05/2007, Brasil, p. A2

O encontro de ontem entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o papa Bento XVI serviu para cada um marcar suas posições em relação a uma proposta sigilosa do Vaticano que está sob negociação entre os dois países. A reunião aconteceu no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, na manhã de ontem.

Por ora, sabe-se que a intenção da Santa Sé, apresentada oficialmente no fim de 2006, é "regulamentar as atividades da Igreja Católica no território brasileiro", segundo palavras da embaixadora do Brasil no Vaticano, Vera Machado. "São questões de preservação de patrimônio, de ensino e seminários religiosos, formação de sacerdotes. Uma série de coisas que são de interesse geral, mas não há por que adiantar quais são as questões. É bastante amplo, seria muito trabalhoso enumerá-las agora", afirma. No entanto, deu um exemplo: que em cada cidade, ao ser planejada, preserve um lugar para as edificações de um templo católico.

Também há a intenção do papa de que seja reforçada a legislação brasileira no que se refere às instituições religiosas, dando a ela status internacional. Isso para evitar a possibilidade de que essas regras possam ser alteradas por processos legislativos. A obrigatoriedade de que seja incluída na grade educacional brasileira o ensino religioso também seria outro ponto, mas não foi tocado diretamente pelo papa ontem. Ele preferiu afirmar que a educação, além da função profissionalizante, deve ainda servir para reforçar os valores espirituais e morais.

No encontro de ontem, Bento XVI manifestou o interesse de que o acordo seja ratificado simultaneamente durante seu pontificado e o mandato de Lula. Ou seja, até 2010. Em contrapartida, o presidente afirmou que o empenho do governo brasileiro é de "preservar e consolidar o Estado laico e ter a religião como instrumento para tratar do espírito e de problemas sociais". O papa, a seguir, disse respeitar a laicidade dos Estados.

Dessa maneira, as palavras de Lula externaram a preocupação do Estado brasileiro com a proposta: de que cause um desequilíbrio pró-catolicismo entre os diversos segmentos religiosos existentes no Brasil. "O nosso princípio é fazer com que não seja afetada a liberdade religiosa. Há determinados princípios fundamentais para a parte brasileira. A preservação da laicidade do Estado, da esfera pública governamental e da esfera religiosa. São princípios consolidados na nossa legislação desde 1890. Liberdade religiosa, igualdade de tratamentos entre as religiões. E preservação de toda a estrutura jurídica brasileira em relação a esses princípios", disse a embaixadora.

Muito embora Bento XVI tenha sinalizado o desejo de que o acordo seja fechado até 2010, o Itamaraty trabalha sem uma data pré-definida, dada a complexidade do tema e o envolvimento de diversos ministérios no assunto. Diferentemente da maioria dos países, o Brasil não tem acordos bilaterais com o Vaticano.

Além do acordo, os chefes de Estado conversaram sobre outros assuntos. No campo econômico, Lula pediu apoio ao papa nas negociações da Rodada Doha e afirmou que, se elas não obtivessem sucesso, a liderança do mundo atual pode ser considerada um fracasso, uma vez que, segundo ele, o sucesso de Doha é fundamental para a redução da pobreza no mundo. Pediu ainda apoio para levar o programa do biodiesel à África. Também foram debatidas as deteriorações dos valores morais, a importância da família e o programa nacional de erradicação da pobreza. Temas polêmicos como a legalização do aborto e da eutanásia não foram tocados.

O papa chegou ao Bandeirantes por volta das 11 horas de ontem, em uma Mercedes prateada, acompanhada de alguns carros repletos de seguranças e religiosos. O governador paulista, José Serra (PSDB), e a primeira-dama, Mônica Serra, aguardavam-no na entrada do saguão do Palácio. Eles seguiram juntos ao segundo andar, onde Lula e a primeira-dama, Marisa Letícia, os esperavam. Na conversa, estavam presentes o núncio apostólico do Brasil, dom Lorenzo Baldisseri, a embaixadora Vera Machado, e dois intérpretes. Passados os 15 minutos, Serra e Mônica entraram na sala.

Houve a entrega de presentes. Lula deu três volumes com a obra do pintor Cândido Portinari. Marisa deu um quadro com a imagem de Bento XVI. Serra já havia deixado com o cerimonial do papa uma grande bíblia que pesa 15 quilos. Depois, foi lançado o selo comemorativo da visita.