Título: Alencar quer estar na posse
Autor: Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 24/12/2010, Política, p. 5

TRANSIÇÃO Após passar por delicada cirurgia, vice-presidente da República diz, durante visita de Dilma e de Lula, que pretende estar em Brasília em 1° de janeiro

São Paulo ¿ O vice-presidente da República, José Alencar, apresentou melhora no quadro médico ontem. Não está mais sedado e também respira sem a ajuda de aparelhos. Ainda assim, ele segue internado na UTI do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, para tratamento de uma hemorragia digestiva causada pelo crescimento de um tumor no intestino delgado.

Alencar acordou bem cedo, consciente, e pediu para assistir à televisão. Leu jornais e despachou documentos de sua empresa com parentes. No fim da manhã, recebeu a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente eleita, Dilma Rousseff. Os dois conversaram por 40 minutos. Lula elogiou a força com que o político e empresário vem lutando contra o câncer e a resistência a tantas cirurgias. Foram 17 até agora. Durante o encontro, Lula lamentou a ausência do companheiro, em Brasília, na quarta-feira, quando sancionou com alguns vetos o projeto de lei que trata da exploração de petróleo na camada pré-sal. ¿Foi uma pena você não estar em Brasília nesse momento importante¿, disse Lula a Alencar.

No dia em que a sanção foi assinada, Alencar enfrentou a cirurgia mais delicada desde que iniciou o tratamento contra o câncer, há 10 anos. Os médicos tentaram conter uma hemorragia durante três horas de procedimento cirúrgico e resolveram interromper a operação porque o organismo de Alencar não resistia mais à intervenção.

Na visita de ontem, Dilma se comoveu e ficou bastante emocionada quando Alencar se mostrou confiante em estar na cerimônia de posse, em 1° de janeiro. ¿Espero estar lá e também que os médicos me liberem para tomar um golinho¿, brincou Alencar. Dilma disse que o espera em Brasília. Em seguida, Alencar elogiou as escolhas que a presidente eleita fez para compor o ministério e ressaltou que foi acertada a decisão de manter Guido Mantega na Fazenda e optar por Alexandre Tombini para o Banco Central.

Lula e Dilma saíram do hospital direto para o encontro de Natal dos catadores de materiais recicláveis das ruas de São Paulo. Lula pediu que o padre Júlio Lancelotti puxasse uma oração pela saúde de Alencar, para que os cerca de 2 mil catadores os acompanhassem. Nesse momento, a emoção tomou conta da cerimônia. ¿O vice-presidente perdeu muito sangue na cirurgia de quarta-feira. Eu e a Dilma, antes de chegarmos aqui, visitamos o companheiro José Alencar. Como aqui ninguém é médico e ninguém faz milagre, gostaria que todos rezassem um Pai-Nosso¿, pediu Lula. ¿Ele só tem um desejo. É poder sair do hospital até 1º de janeiro para, às 4h da tarde, estar na posse da companheira Dilma. E ele disse que vai de qualquer jeito, nem que seja de cadeira de rodas. Acho que essa reza transmite toda a energia que nós queremos passar para ele¿, completou Lula.

O futuro secretário-geral da Presidência e atual chefe do gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, ficou emocionado e, com a voz embargada, disse ter esperança que ele desça a rampa do Palácio do Planalto caminhando ao lado do presidente. ¿Nós devemos muito ao Zé, muito mais do que se possa imaginar, por causa de seu apoio moral e do apoio ético extraordinário. Se Deus quiser, ele vai fechar esse mandato¿, disse Carvalho.

No evento, Lula e Dilma se comprometeram a manter, nos próximos anos, o tradicional encontro em São Paulo, realizado há oito anos pelo presidente, sempre às vésperas do Natal. ¿Me orgulho de ter tratado vocês com o mesmo respeito que eu trato todo mundo¿, disse.

No encontro, o presidente assinou o decreto que regulamenta a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o decreto que institui o programa Pró-Catador. Já Dilma Rousseff falou como se estivesse em campanha e prometeu continuar as políticas do presidente Lula para os catadores e para os moradores rua. ¿Eu não descansarei enquanto não der as melhores condições possíveis para que esse processo não volte atrás¿, discursou.

Presidente na TV pela última vez

Diego Abreu O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem à noite, em seu último pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, que a sua sucessora, Dilma Rousseff, será uma ¿presidenta a altura deste novo Brasil¿. O Brasil a que Lula se refere é o país que, segundo ele, venceu o desafio de crescer econômica e socialmente ao longo dos oito anos de seu governo ¿e provou que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza¿.

Em um breve balanço sobre os seus dois mandatos, Lula deixou a modéstia de lado e disse aos brasileiros que fez um bom governo. Falou que afugentou ¿a onda de fracasso que pairava sobre o país¿ quando assumiu o governo. ¿Se governei bem, foi porque antes de me sentir presidente, me senti sempre um brasileiro comum que tinha que superar as suas dores, vencer os preconceitos e não fracassar.¿

Em relação a seu futuro depois que deixar a Presidência, Lula desconversou. Afirmou apenas que vai estar nas ruas. ¿Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo, que sempre fui, serei mais povo do que nunca, sem renegar o meu destino e jamais fugir à luta. Não me perguntem sobre o meu futuro, porque vocês já me deram um grande presente. Perguntem, sim, pelo futuro do Brasil, e acreditem nele, porque temos motivos de sobra para isso¿, discursou.

No começo do pronunciamento, o presidente enfatizou o simbolismo de a faixa presidencial passar das mãos do primeiro operário presidente para as mãos da primeira mulher a assumir o comando do país. Lula falou também sobre o seu passado pobre e incentivou o brasileiro a acreditar ¿em si mesmo¿. ¿Com luta, coragem e trabalho, a gente supera qualquer dificuldade¿, sugeriu o presidente.

Lula fez uma avaliação do legado que deixará ao país, ao ressaltar ¿grandes obras¿ iniciadas em seu governo, como as hidrelétricas do Rio Madeira e a Usina de Belo Monte, além de refinarias, ferrovias e o trem-bala que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo. O presidente também citou a descoberta da camada de petróleo do pré-sal, ¿o nosso passaporte para o futuro¿.

Ele enumerou conquistas como a ampliação das reservas internacionais para US$ 300 bilhões, a geração de 15 milhões de empregos, a retirada de 28 milhões de pessoas da linha da pobreza e a chegada de 36 milhões de brasileiros à classe média. Antes de encerrar o pronuncimanto, Lula pediu ¿a todos que apoiem à nova presidente, assim como me apoiaram em todos os momentos¿.

Inauguração pela metade em Goiás

Edson Luiz Enviado Especial

Petrolina (GO) ¿ A oito dias de deixar o cargo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou um trecho inacabado da Ferrovia Norte-Sul, no interior de Goiás, que vai ligar Açailândia (MA) a Estrela D¿Oeste (SP). Lula afirmou que a entrega final dos trilhos será feita em abril do próximo ano pela presidente eleita, Dilma Rousseff. Aparentando cansaço, ele viajou direto de São Paulo, onde visitou o vice-presidente, José Alencar, que está internado desde a quarta-feira.

Lula entregou 1,1 mil quilômetros de trilhos da Norte-Sul, mas a intenção era inaugurar o trecho completo, com mais de 1,3 mil quilômetros. O presidente culpou a Tribunal de Contas da União (TCU) pelo atraso. Segundo ele, a empresa encarregada pelas obras teve que responder a um processo no TCU, que pedia a redução dos custos. Após ganhar na Justiça o direito de continuar o trabalho, a empreiteira voltou ao trecho, mas atrasou a conclusão de sua parte.

Lula chegou em Petrolina com duas horas de atraso. Ele se deslocou da cidade até o local do evento em uma locomotiva, com o governador do estado, Alcides Rodrigues (PP), que, como o presidente, está deixando o cargo. Lula falou pouco. Apenas lembrou que fez mais ferrovias que seus antecessores, citando nominalmente os quatro presidentes que os antecederam. Sob aplausos de cerca de 400 pessoas presentes ao evento, realizado às margens da rodovia GO-080, ele discursou por 10 minutos. Após o evento, Lula voltou a Brasília.

Mensagens de apoio na internet

As manifestações de solidariedade ao vice-presidente José Alencar, que foi submetido, na tarde de quarta-feira, à 17ª cirurgia na luta contra um câncer no abdômen, espalharam-se pelas redes sociais. No Twitter, brasileiros anônimos e famosos postaram mensagens de apoio à batalha de Alencar, que começou em 1997, com a retirada de um tumor do rim direito e outro do estômago.

Durante a manhã de quinta-feira, a expectativa por uma notícia animadora sobre o estado de saúde do vice-presidente levou o jovem Vitor Levy, morador do Guarujá (SP), a recorrer a fé e escrever no Twitter: "Nunca vi um cara tão guerreiro quanto o José Alencar. E, se Deus quiser, vai vencer mais essa batalha". De Belo Horizonte, Leandro Moura postou: "Algumas pessoas são exemplo de perseverança pela vida, não se entregam fácil. O nosso vice-presidente é um deles".

Às 12h05 de ontem, após a divulgação de uma nota do hospital Sírio-Libanês, informando que Alencar apresentava um quadro estável depois de ser submetido à cirurgia para estancar uma hemorragia na região abdominal, o jogador Ronaldo, tuiteiro de plantão, postou uma mensagem de apoio. "Fora qualquer tipo de julgamento político ou social, a força de luta do vice-presidente José Alencar pela vida é incrível", disse o Fenômeno.

Celebridades O pagodeiro e candidato derrotado ao Senado Netinho de Paula (PCdoB-SP) também homenageou o vice-presidente: "Estou torcendo muito para a recuperação do nosso guerreiro vice-presidente, José Alencar! Vamos mandar muitas energias positivas a ele".