Título: Onda do etanol transforma 'cinturão verde' americano
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/05/2007, Agronegócios, p. B11

Poderia se imaginar que a abertura de uma usina de etanol em Nevada, uma cidade de 6,7 mil habitantes no centro de Iowa, interessaria só aos agricultores que fornecem o milho usado pela fábrica para a produção de combustível. Errado. Entre os que investiram na usina estão a pessoa que fornece combustível à usina, um par de fornecedores de autopeças locais para a John Deere (fabricante de máquinas agrícolas) e o motorista do ônibus escolar, entre outros 900 investidores. Como outras no cinturão do milho, a usina em Nevada é vista como uma forma de toda a comunidade prosperar, explorando a nova paixão dos EUA pelo etanol e por seu milho .

O etanol de milho não é barato, nem ecológico: requer muita energia para ser produzido. A produção foi impulsionada com auxílios federal e estadual, incluindo subsídios, promoção da mistura de gasolina com combustíveis renováveis e tarifas de importação que restringem o etanol estrangeiro.

O governo federal oferece aos produtores de etanol um subsídio de US$ 0,51 por galão (3,785 litros, o que dá US$ 0,135 por litro). Cada vez mais Estados pressionam pelo uso do E85, mistura de combustível com 85% de etanol e 15% de petróleo. Desde que o barril do petróleo passou os US$ 30 em 2004, a capacidade de produzir etanol cresce com velocidade. Embora o país experimente outros combustíveis renováveis baseados em plantas, o mais próspero é o etanol de milho.

A Califórnia ajudou a abrir o caminho. Quando proibiu o uso do MTBE como aditivo à gasolina após 2003, todos tiveram de usar etanol para atender aos padrões de combate à poluição. As usinas locais de etanol começaram a ganhar dinheiro, com subsídios na época de US$ 0,40 por galão.

Além do Estado, os governos mais dispostos a subsidiar o etanol foram os que tinham vastas plantações de milho. Wallace Tyner, economista especializado em agricultura da Purdue University, destaca que os Estados que ofereceram subsídios mais cedo, como Illinois, Iowa, Minnesota e Nebraska, já construíam usinas de etanol antes de 2004, enquanto Estados sem subsídios, como Indiana e Ohio, não o fizeram até que os preços do petróleo subissem. Desde então, as áreas rurais das proximidades foram varridas pela mania por etanol, com instalações surgindo por toda a região do milho.

Iowa já possui 28 usinas de etanol, produzindo 7,19 bilhões de litros por ano, 30% do total dos EUA. Há várias usinas em construção e muitas sendo ampliadas.

Embora empresas agrícolas, como a Archer Daniels Midland (ADM) tenham construído muitas usinas de etanol, cooperativas de fazendeiros e investidores locais o fazem em ritmo acelerado. Os primeiros grupos locais a fazê-lo eram de áreas remotas, onde os agricultores não conseguiam bons preços pelo milho devido ao custo de transporte. Em Iowa, as áreas mais distantes dos mercados estão no noroeste do Estado, que gera colheitas com altos rendimentos, mas consegue entre até US$ 0,50 a menos por bushel por estar afastado das barcas do rio Mississipi.

A mesma lógica se aplica nos condados ao leste de Dakota do Sul e do Norte, no sudoeste de Minnessota e outras partes do cinturão de milho nas quais levar o produto aos mercados é dispendioso. Como as usinas podem ser construídas próximas a bons terminais ferroviários nessas áreas, é mais eficiente converter o milho em etanol e enviá-lo aos mercados, diz Ken Eriksen, que estuda meios de transporte na Informa Economics.

Toda essa atividade beneficia as economias rurais e indústrias relacionadas. Os preços da terra em Iowa subiram 10% em 2006 e ainda estão em alta. Empregos estão sendo criados ao redor das fábricas. Em lugares como Lakota e Marcus, que construíram algumas das primeiras usinas modernas do Estado e fizeram fortuna graças aos preços do petróleo e subsídios, investidores locais despejaram seus lucros em melhorias em suas casas, mensalidades de escolas mais caras e equipamentos agrícolas.

Alguns começam a falar em criar gado. Além de extrair o amido do milho para o combustível, as usinas aproveitam o que sobra do processo. O produto contém proteína e outros nutrientes e é usado para alimentar vacas, porcos e galinhas. "Tiramos o doce do milho e damos o resto para os porcos", diz Dave Nelson, presidente de uma refinaria em Iowa e que planta milho e cria suínos.

No entanto, embora Iowa tenha um grande rebanho suíno, os grãos funcionam melhor como alimento para o gado bovino. Segundo pesquisadores da Universidade Estadual de Iowa, as usinas do Estado produzem um volume cinco vezes maior do que o necessário para alimentar seu pequeno rebanho bovino leiteiro. A maioria dessas usinas, portanto, precisa gastar uma grande dose de energia para secar os grãos e poder enviá-los ao Texas ou outros Estados com grandes rebanhos bovinos, ao sul.

Usar o produto com animais locais reduziria o uso de energia e o custo de transporte das usinas com a ração. Os habitantes locais e de outros Estados do Meio-Oeste acreditam que isso levará ao florescimento dos setores ligados ao gado. Investidores também vêem a situação como uma excelente oportunidade para começar a construir usinas de etanol no Texas, onde há gado de sobra.

Uma ameaça de longo prazo mais séria para as usinas de Iowa poderia vir de outros biocombustíveis. O governo federal já subsidia investimentos em etanol feito com celulose, tecnologia ainda ineficiente. Os habitantes de Iowa não parecem preocupados. Mesmo se outros vegetais puderem ser plantados fora do Meio-Oeste, Iowa se beneficiará com as sobras do caule do milho que podem ser usadas para produção de etanol de celulose. Em vez de se preocupar com um futuro nebuloso, os agricultores do Estado estão plantando todo o milho que podem - e torcendo para o preço do petróleo continuar nas alturas.