Título: "Apoio popular definirá candidato tucano"
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 01/06/2007, Especial, p. A16

Defensor de uma oposição radical ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que o candidato presidencial do PSDB em 2010 deve ser o tucano melhor posicionado nas pesquisas . É um critério que hoje provavelmente beneficiaria o governador de São Paulo, José Serra. Mentor da proposta de realização de um congresso do partido este ano, Fernando Henrique foi voto vencido este ano em pelo menos uma questão de tática política: o apoio de vários deputados tucanos à eleição do petista Arlindo Chinaglia para a presidência da Câmara. Por telefone, concedeu a seguinte entrevista ao Valor:

Valor: Vários dirigentes afirmaram faltar rumo ao PSDB, o que teria ficado evidente com a derrota na eleição do ano passado. O PSDB perdeu sintonia com o país?

Fernando Henrique Cardoso: Se nós formos verificar com mais tranqüilidade, a média das opiniões antes da eleição de 2006 é que era muito difícil ganhá-la. E por que? Porque a economia vai bem e o Lula tinha conseguido surfar em todos os escândalos que aconteceram. Não havia um elemento forte que permitisse reverter o quadro com facilidade. Além disso, o governo Lula de alguma maneira mudou de banda na área econômica. Tentou se identificar com teses que eram nossas e é difícil a gente criticar as nossas próprias teses. Ainda assim, Alckmin deu um susto no governo, teve uma votação muito expressiva. No segundo turno houve erro de estratégia mesmo. Houve um retraimento de tudo. Houve um recuo quanto às nossas próprias teses, deixando o eleitorado meio perplexo. Houve falta de firmeza na defesa do legado do PSDB. Às vezes as pessoas pegam uma pesquisa de opinião pública e se esquecem que a pesquisa deve orientar o político, mas não para dizer amém ao que a pesquisa diz, mas para saber como é que muda o resultado da pesquisa. Isto desorientou o PSDB.

Valor: E como proceder então em relação ao futuro?

FHC: Agora estamos na fase da reorientação. Quando terminarmos a eleição para prefeito, as expectativas todas se voltarão para outra coisa: quem representa perspectiva de poder. Não adianta ter briga interna neste momento, a definição de candidatura será dentro de três anos. Os principais postulantes perceberam isso. O Aécio deu uma declaração boa no encontro em Brasília, de que vai ficar no partido. Ele foi peremptório. Disse que não sabe qual posição vai ter, mas que será no PSDB. Para acabar com a fofoca de que ele vai para o PMDB, eventualmente. Está havendo uma compreensão maior por parte dos virtuais candidatos que o postulante dentro de três anos será aquele que a opinião pública tiver consagrado.

Valor: Isto significa que quem estiver na frente das pesquisas deve ser o candidato?

FHC: Não tenha dúvida. Com mais apoio político e na frente das pesquisas. Por que não foi assim da última vez? Porque na verdade o Serra não quis.

Valor: Mas não foi o Alckmin que se insurgiu contra este critério?

FHC: Alckmin concordava que houvesse uma definição pelo diretório nacional e lá o Serra ganharia. O que houve foi um cálculo político, que acho certo. Como pensávamos ser difícil ganhar as eleições, preservamos São Paulo. Para pelo menos ter Minas e São Paulo, porque o fundamental para o partido é manter a condição de ser pólo de poder.

Valor: É de se supor que atualmente o Serra estaria à frente do Aécio, caso fosse feita uma pesquisa?

FHC: Neste momento é muito provável, em função do recall. Mas não sei daqui a dois anos, não se deve dar isso de barato. Mas quem serão os outros candidatos? Um candidato é bom em função dos outros também.

Valor: E quem, na opinião do senhor, serão os outros candidatos?

FHC: Por mais que o Lula não queira incentivar uma candidatura do PT, o que é compreensível que não queira, porque é legítimo que pense em voltar em 2014, sobretudo se seu prestígio continuar alto, o PT vai ter candidato, porque se não tiver, não faz bancada. O que empurra os partidos a ter candidato é o cálculo da bancada que terão na Câmara e quantos governadores irão eleger. Qualquer que seja o candidato do PT, não será forte, por falta de enraizamento e porque o PT foi afetado pelos acontecimentos. Quem pode polarizar no PT? O pessoal do Rio Grande do Sul, que sempre foi no PT um pouco isolado. O PMDB cada vez que ganha corpo e parece que vai se tornar determinante no poder central, se desfaz com as confusões em que se mete. É possível que esta nova esquerda lance um candidato, mas vai ter briga entre o Ciro (Gomes) e o Eduardo (Campos, governador de Pernambuco). Haverá dispersão de candidatos e aparentemente o PSDB tem melhores chances, porque tem nomes reconhecidos e eleição no Brasil depende do nome da pessoa. Mas é preciso que esta pessoa expresse um sentimento que bata com o País. Nosso trabalho é criar condições para que haja comunicação entre o PSDB e o país.

Valor: Temos visto declarações no sentido do PSDB afirmar-se na classe média. É o que resta ao partido, em função da inserção de Lula nas classes pobres e da adesão dos movimentos sociais ao PT?

FHC: Quem ganha a eleição é quem atravessa todas as classes. As classes dominantes não são maioria, mas atrapalham, no mínimo, a que se forme maioria. O que Lula fez em 2002? Quebrou a idéia do PT de ser o partido do proletariado, se colocou como o candidato de todos. O PSDB tem que fazer o mesmo, não pode ficar ancorado em uma só classe. Mas não há uma classe média, há várias. O crescimento delas é grande no Brasil. Hoje há camadas amplas que estão no limite entre o que antes era povo e agora é classe média.

Valor: Mas por que a classe média cresceu?

FHC: Porque o mercado cresceu e criou empregos novos. Pega todo o pessoal de informática, de vendas, de entertainment. Tudo é uma nova classe média.

Valor: Está sub-avaliado então o tamanho dos setores médios na população brasileira? A porcentagem de pobres no Brasil é menor do que a que se apregoa?

FHC: Não tenha dúvida. Os dados de renda no Brasil são precários. Sempre dizia quando estava na presidência que o IBGE vinha com dados que não batiam com o crescimento do consumo. Nós continuamos com esquemas arcaicos de medição.

Valor: Estas pessoas que estão em ascensão econômica não tendem a se sentir devedoras do governo Lula, em função do sucesso pessoal?

FHC: Depende de como se colocam as questões. O sucesso pessoal é uma coisa, o governo Lula é outra e o PT é outra. Diziam muito quando fui candidato sobre o sentimento da classe média, mas ganhei porque falei para a sociedade toda. É verdade que tinha o Plano Real, mas em 1998 não tinha Plano Real algum, ao contrário, estávamos em crise. Mas tive um discurso que bateu com o que a sociedade queria.

Valor: A falta de articulação do PSDB com movimentos sociais não bloqueia o diálogo do partido com os setores pobres?

FHC: Os movimentos sociais não representam o sentimento da população. Nunca tivemos força em movimento social, e eu não ganhei duas vezes? E não ganhamos agora em Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul? A eleição vai depender de nossa capacidade de colocar os temas que mexam com essa gente.

Valor: Que papel o senhor pensa em exercer no PSDB nestes próximos anos?

FHC: O mesmo que exerço desde 2002: o de opinar, ajudar, debater, mas não entrar na refrega cotidiana. Pode ter certeza que estou fora de qualquer envolvimento eleitoral.

Valor: Em alguns pontos de vista que o senhor sustenta, não se forma maioria no PSDB a favor deles, como por exemplo na questão do voto distrital...

FHC: Nesta questão específica o Serra e o Aécio apóiam o voto distrital. Eu acho que o PSDB não tem é posição majoritária, o que é uma coisa mais grave. Se formam maiorias vazias. Na questão do voto distrital, é preciso quebrar o sistema atual ou se não ficaremos eternamente na atual situação, com corrupção e compra de bancadas e desconexão absoluta entre população e Congresso.

Valor: O senhor não se sente em minoria dentro do PSDB em muitas questões atualmente?

FHC: Não me preocupo em medir isso. Quando você tem uma tomada de posição em questões complexas, no início esta posição sempre será minoritária. Quem quer coisas diferentes da rotina, está isolado. Ninguém gosta de mudar. O que se tem que ter é persistência nas posições e insistir. É preciso criar correntes de opinião. Não é só um problema do PSDB. Não tem debate político hoje. Paradoxalmente, o governo Lula coroou no Brasil o que chamavam de neoliberalismo.

Valor: Lula coroou no neoliberalismo no Brasil?

FHC: A única força reguladora das coisas no Brasil é o mercado. Não é que Lula quisesse, mas o debate político se esvaziou e não trouxe reforma nenhuma. É uma coisa esdrúxula, porque ele abriu espaço para os sindicatos no governo. Aquilo que se fala do Jango, da implantação de uma república sindical, esta aí agora. Mas sem o conteúdo político daquele período. É só a boquinha.

Valor: No processo de oposição ao presidente da República, o próprio PSDB não tira o pé do acelerado em episódios como o diálogo dos governadores com o Planalto e da visita de Tasso Jereissati ao Lula?

FHC: Os governadores têm que ter relação com o governo federal. A relação do Jorge Vianna, do Zeca do PT e do Cristovam Buarque comigo era íntima. O problema é a exploração política que se faz de que isso significa adesão, porque não houve contraponto do partido. É o partido que tem que estar em uma posição mais crítica ao governo, para não deixar margens a dúvidas de que não haverá adesão. E aí a crítica que eu faria é que precisamos ter coerência, saber o que criticar. Não podemos ser cães perdigueiros, que pegam a caça e largam. Precisamos ter buldogues, que mordem e não largam mais.

Valor: E o diálogo político entre Tasso e Lula?

FHC: Não resultou nada. Falar o que com o Lula, se ele não apresenta nada para discutir? O presidente poderia chamar a oposição para discutir as reformas a serem feitas, e não para imperar sobre o nada.

Valor: O Tasso mencionou a possibilidade do PT e do PSDB no futuro estarem unidos.

FHC: Ele não fechou portas. Eu fechei: os partidos têm diferenças essenciais. O Lula aderiu às nossas posições sobre a modernização da economia, cospe no prato que comeu e continua comendo. Na parte econômica, as diferenças podem ser menores, mas não são na questão da democracia. Ainda há em setores do governo a idéia leninista de ter um partido de classe que ocupa o Estado e muda a sociedade. Eles não mudam a sociedade, mas não esqueceram de ocupar o Estado. No caso da Venezuela, como fica Lula diante do que foi feito lá (a não renovação da concessão de uma emissora de TV independente)?

Valor: O senhor acha que Lula deveria se posicionar de alguma maneira sobre isso?

FHC: Ele deveria há mais tempo ter feito mais para enviar uma mensagem clara de apoio à democracia. Em 2002, defendi o Chávez, quando houve a tentativa de golpe contra ele. Chávez me telefonou, apoiamos o governo constitucional. Nunca apoiamos golpe.

Valor: E parece ao senhor que o regime na Venezuela se encaminha para uma ditadura?

FHC: Parece, né? Esta coisa da televisão é muito séria. É por isso que agora eu telefonei para a nossa embaixada em Caracas e disse que quero ir à Venezuela. Quero ver o que está acontecendo lá dentro. Tenho suspeitas de que o caminho lá é sem volta. Mas não quero pensar pela opinião de terceiros, quero ver argumentos.

Valor: Chávez muitas vezes é comparado a Perón.

FHC: Perón em um momento de crescimento da economia argentina integrou na sociedade os "cabecitas negras". O que quero ver na Venezuela é exatamente isso. Quais são as políticas internas dele.

Valor: Quais as políticas sociais, se ele socializa o lucro do petróleo ou não?

FHC: É isso aí. De que maneira ele faz isso, se criando novos empregos, fomentando a produção ou simplesmente creditando para as pessoas um dinheiro que acaba. Chávez será julgado na Venezuela em função disso. No âmbito da esquerda, ele representa o sentimento anti-americano e anti-globalização. Isto se confunde com os caminhos da esquerda, mas uma esquerda esquisita, mais centrada no estatismo do que no socialismo.

Valor: Neste sentido, ele tomou o papel de protagonista do Lula?

FHC: Não tenha dúvida. O Lula é um social-democrata esmaecido. Saiu do campo da esquerda. Não digo isso lamentando, o PT é que tem o que lamentar.