Título: Acionista de primeira viagem
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 13/06/2007, EU & Investimentos, p. D1

No fim de maio, ao abrir o jornal pela manhã, o engenheiro Carlos tomou um tremendo susto ao ver que suas ações do Banco do Brasil estavam valendo cerca de um terço da cotação do dia anterior. Após alguns minutos de puro desespero, ele entrou em contato com o Valor e descobriu que a "surpresa" decorria de um desdobramento, processo em que o papel foi transformado em três, cada um valendo exatamente um terço da ação original. Portanto, ele não havia perdido nenhum centavo. O desdobramento de ações, ou "split", é procedimento comum do mercado, principalmente quando os papéis sobem bastante e a empresa busca diminuir o valor unitário para facilitar os negócios. Mas para Carlos, que havia adquirido ações pela primeira vez em junho do ano passado, foi uma grande surpresa. "Achei que o meu investimento tinha despencado", diz.

O engenheiro Carlos é um exemplo de uma grande parcela de novos investidores que ingressou na bolsa nos últimos meses e não está habituada com os jargões e procedimentos do mercado. Em janeiro de 2005, por exemplo, eram apenas 52,2 mil o número de aplicadores com ofertas colocadas no sistema eletrônico home broker - principal acesso do pequeno investidor ao mercado. Em maio, esse número chegou a 112,9 mil. Esse número indica o crescimento explosivo de novos aplicadores da Bovespa, que contam com uma ferramenta que permite a compra de qualquer papel com grande facilidade, mas por conta e risco do investidor. Casos como o do acionista do BB mostram que esse novo participante precisa ter cuidado, assim como as corretoras precisam educar o novo cliente.

Carlos diz que não se sentiu impelido a procurar a agência do BB onde adquiriu os papéis para tirar dúvidas sobre o "split" pelo medo de enfrentar enormes filas. "Não temos um tratamento VIP nas agências do banco para tratar disso", diz o engenheiro.

Acionista de primeira viagem, Carlos acredita que sua ação do BB teria subido mais se a seleção tivesse faturado a Copa do Mundo no ano passado. "O crescimento do Brasil é muito ligado a isso", raciocina. Ele ainda reclama da alta volatilidade da bolsa ao sabor de novas notícias. "Aquele Greenpeace (sic), ex-presidente do banco central dos EUA, tinha que parar de abrir a boca, porque sempre que ele fala alguma coisa as ações caem." Alan Greenspan, ex-presidente do Fed, parece que não vai atender aos apelos de Carlos, tanto que ontem, novamente abalou o mercado com suas declarações. (leia mais na página D2)

A inexperiência do investidor pode levar a perdas. A Comgás, por exemplo, privatizada em 2000, tem maior liquidez em seus papéis PN classe A (PNA). Mas, em 26 de abril, a empresa anunciou a incorporação de ágio pago na aquisição da companhia via subscrição de novas ações preferenciais classe B (PNB). Muitos investidores não se deram conta dessa distinção e passaram a negociar o título de subscrição como se ele futuramente desse direito de troca pelo papel PNA. Com isso, o título de subscrição do papel PNB, que equivaleria ao valor fixo de R$ 349,95 por lote de mil no vencimento, chegou a bater R$ 311 e depois R$ 398,18 em uma semana. Um empresário aposentado comprou R$ 100 mil desses títulos e perdeu boa parte da aplicação. "Isso foi engodo ao acionista", reclamou ele ao Valor.

O evento da Comgás é legalmente previsto e ocorre todo ano desde 2000, para ressarcir o controlador, a BG, pelo valor gasto na compra da concessão, explica a empresa. O problema é que, este ano, em meio à euforia da bolsa, o papel PNB ganhou considerável liquidez, levando investidores a perder milhares de reais.

Caso similar ocorreu no ano passado, com bônus conversíveis em ações do próprio Banco do Brasil. Muitos investidores viram suas aplicações virarem pó quando expirou o prazo para conversão dos bônus em ações. O fato foi fonte de diversas reclamações ao ombudsman da Bovespa, Joubert Rovai. Só porque um título carrega o nome de uma empresa, não quer dizer que é uma ação ou que vai variar como tal, diz. "Se o investidor não sabe exatamente o que é o papel, não deve comprar."

Muitos dos novos recursos investidos na bolsa saíram de aplicações mais prosaicas como cadernetas de poupança ou fundos conservadores, diz Hélio Pio, gerente comercial da Ágora, corretora líder em pessoas físicas e que tem recebido em média mil novos cadastros por mês. "Muitos ouvem falar dos resultados da bolsa e topam correr o risco." No entanto, a esmagadora maioria dos novatos tem dificuldades em interpretar dados técnicos e informações do mercado que ajudariam a apontar os riscos, diz. "As corretoras têm de esclarecer dúvidas e não apenas executar ordens, têm de ensinar quais são os riscos do negócio e os lucros possíveis", comenta Pio.

Alguns participantes do mercado suspeitam que muitos investidores grandes podem estar ganhando dinheiro em cima de aplicadores menores, como pode ter ocorrido com a variação de 27% dos papéis da Comgás em uma semana. A Bovespa coloca à disposição dos investidores em seu site uma seção especial para iniciantes. No entanto, a informação pode ser farta, mas o acesso ao conhecimento na era do home broker exige interesse próprio investidor em buscá-lo. As corretoras também costumam oferecer cartilhas e manuais aos novos clientes, mas que dependem dos seus leitores para que atinjam seu objetivo. "O investidor pode não ter sucesso na operação, mas tem de saber o risco que corre no mercado de ações", diz Pio, da corretora Ágora.

Em fundos e clubes de ações, a diferença é que há uma instituição responsável pelas decisões de compra e venda dos papéis. A Geração Futuro, especializada em fundos e clubes de ações, viu o número de cotistas crescer de menos de 14 mil no fim do ano para 24 mil atualmente. "O volume de dúvidas dos clientes cresce na mesma proporção", diz Wagner Salaverry, gestor da Geração. "Temos de explicar, por exemplo, que o risco do negócio não tem relação direta com a nossa empresa e como é subtraída a taxa de administração das cotas dos fundos", diz.

Com a disseminação de mais informações sobre o funcionamento da bolsa, investidores principiantes como Carlos poderão descobrir que o desempenho da seleção de futebol tem efeito muito mais limitado sobre as ações do Banco do Brasil do que imagina ou que, apesar de toda discussão recente sobre o aquecimento global, o Greenpeace não tem força sobre o rumo do mercado. Com mais conhecimento, se não são dirimidos os riscos do mercado, ao menos o investidor passa a compreendê-los e entender onde coloca seu dinheiro.