Título: Governo adia, mas confirma posse de Mangabeira
Autor: Lyra, Paulo de Tarso e Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 15/06/2007, Política, p. A9

O governo adiou, para terça-feira, a posse de Roberto Mangabeira Unger como ministro da Secretaria Especial de Planejamento Estratégico. A cerimônia, que acontecerá dois meses depois do convite feito ao professor de Harvard, foi confirmada na noite de ontem pela assessoria do Palácio do Planalto. A delonga refletiu o constrangimento que a nomeação provocou no governo. Ontem, o embaraço só aumentou. Assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram informados de que o professor fez várias gestões junto à Comissão de Ética Pública do governo para manter vínculos com as funções que vinha desempenhando no setor privado.

Lula não queria mais ter Mangabeira no governo, arrependeu-se do convite, mas, segundo um ministro, não tinha mais como voltar atrás. Responsável pela indicação do professor, o vice-presidente José Alencar não abriu mão da indicação. Constrangido, o presidente não encontrou uma forma de convencê-lo a desistir da nomeação.

Nos últimos dias, o senador Marcelo Crivella (RJ), do mesmo partido de Mangabeira, o PRB, conversou reservadamente duas vezes com o presidente. Nas duas ocasiões, Crivella defendeu a nomeação do professor, que, mesmo vivendo nos Estados Unidos, é vice-presidente do PRB, sigla à qual José Alencar também é filiado.

Um dos óbices à posse de Mangabeira Unger era a ação judicial que ele decidiu mover na Justiça americana contra a Brasil Telecom (BrT), empresa que tem como acionistas fundos de pensão ligados a empresas estatais. Ele tomou a iniciativa dez dias depois de ter sido convidado para o cargo de ministro. O Palácio do Planalto gostaria que ele desistisse da ação para não caracterizar conflito de interesse no exercício do cargo. Até a noite de ontem, o professor não havia abandonado o processo.

Indagado se teria sido instado a convencer Mangabeira a abdicar da ação contra a BrT, José Alencar negou. "Em nenhum momento. Quem conversa sobre isso é o partido, é o senador Marcelo Crivella. É o presidente do partido, Victor Paulo. Ele (Mangabeira) é vice-presidente do partido. Sou subordinado a ele", disse o vice-presidente.

Desde que foi convidado a ser ministro, há pouco menos de dois meses, o professor de Harvard criou, na opinião de assessores do presidente, embaraços para o governo. Primeiro, foi a ação movida contra a BrT. Depois, a tentativa de acumular o cargo de ministro com o de "trustee" (representante legal) da companhia nos Estados Unidos.

No dia 23 de maio, Mangabeira protocolou carta na Justiça Americana, afirmando que não abriria mão do cargo de "trustee". Ao justificar, insinuou que o acúmulo de funções seria benéfico para a empresa. A repercussão foi negativa. O Planalto viu nisso a possibilidade de tráfico de influência. A Comissão de Ética fez, por sua vez, advertência para que o professor se desvencilhasse de atividades privadas.

Pressionado, no dia 7 de junho o professor de Harvard encaminhou aos ministros Walfrido dos Mares Guia (Relações Institucionais) e Dilma Rousseff (Casa Civil) cópia da carta que tinha enviado ao juiz americano Edward Donnelly Jr., assegurando que renunciaria ao cargo de "trustee" da BrT, precisamente a partir do primeiro minuto do dia 15 de junho, o dia de sua posse inicialmente previsto pelo governo. "O resumo da história é que todos os meus vínculos privados, inclusive o de 'trustee', estão agora desfeitos, apesar do esforço que se fez para que eu não pudesse desfazê-los", afirmou ele em carta enviada a Mares Guia.

Numa segunda correspondência, esta enviada à ministra Dilma, Mangabeira declarou: "A renúncia ao cargo de 'trustee' foi o último ato, adiado apenas enquanto aguardava a orientação da Comissão de Ética Pública, a qual compreendo e acato integralmente". Em tom de desabafo, acrescentou: "Houve uma tentativa de constranger não só a mim, mas também ao presidente. Só uma coisa importa: o soerguimento do Brasil, ao qual estou determinado a dedicar o resto de minha vida".

O caráter ufanista do documento não impressionou os principais assessores do presidente Lula, que souberam ontem que, nos últimos dez dias, Mangabeira fez três consultas à Comissão de Ética. Na primeira, questionou se havia problema em acumular as funções de "trustee" e ministro. Diante da resposta negativa, ele quis saber se havia algum óbice em manter contato com o "trustee" indicado pela BrT para sucedê-lo.

Diante de mais uma negativa, o professor procurou saber se havia algum impedimento para, no cargo de ministro, encontrar-se com empresários ligados à sua atividade anterior. A resposta da Comissão de Ética à consulta foi categórica. "Se isso acontecer, documente todos os passos do encontro e declare-se impedido de atuar em debates ou discussões envolvendo seus antigos empregadores", afirmou a Comissão, segundo relato de um de seus integrantes.

Um ministro próximo de Lula afirmou que a insegurança de Mangabeira em romper com o passado reflete a "confusão profissional" em que ele se meteu. Apesar de ter sido contratado para ser "trustee" da BrT nos EUA, ou seja, para defender os interesses da empresa, ele foi acusado de defender apenas um lado da sociedade - o grupo Opportunity, de Daniel Dantas, um adversário dos fundos de pensão. Por causa disso, a BrT quis processá-lo, mas desistiu depois de um acordo tácito. Ocorre que, ao ser convidado para integrar o governo, o professor decidiu processar a BrT, surpreendendo os sócios da empresa, que, na seqüência, também decidiram acioná-lo judicialmente.