Título: Por divergência com Mangabeira, coronel Oliva deixa governo
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 19/06/2007, Política, p. A7

A posse de Roberto Mangabeira Unger como ministro da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, marcada para hoje, assusta os técnicos do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A primeira baixa já ocorreu, antes da posse: o coronel Oswaldo Oliva Neto, chefe do NAE, entregou o cargo porque ele e Mangabeira têm visões distintas do país. "Enquanto o professor de Harvard pretende implantar o padrão americano de planejamento, um estilo mais empresarial, o Núcleo desenvolveu (nos últimos quatro anos) um trabalho baseado nas características brasileiras, um modelo mais próximo do adotado pelos países europeus", disse Oliva Neto, em entrevista ao Valor.

Para ele, a idéia do professor Mangabeira é copiar para o Brasil estratégias vencedoras em outros locais. Mas, segundo o chefe demissionário do NAE, o país tem uma diversidade muito grande, não adianta simplesmente importar propostas de planejamento, mesmo que sejam vencedoras.

Oliva Neto, que é irmão do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), decidiu deixar o cargo depois da confirmação de que Mangabeira Unger seria seu novo chefe, o que só aconteceu na noite de quinta-feira. O coronel tinha um encontro marcado, na noite de ontem, com o presidente Lula para formalizar o pedido de demissão. Até o fechamento desta edição, a reunião ainda não havia acontecido. Antes do encontro, Oliva adiantou ao Valor que não acreditava numa mudança em seus planos. "Com certeza, sem a minha presença, o trabalho do professor Mangabeira tem muito mais condições de dar certo", afirmou.

Na quinta-feira, em conversa com funcionários do NAE, o coronel chegou a afirmar que a sua permanência dependia de uma conversa com o presidente. No mesmo dia, quando a posse Mangabeira foi confirmada, Oliva decidiu entregar o cargo. Na sexta-feira, ele e Mangabeira tiveram um encontro que durou aproximadamente duas horas. O professor tentou, em vão, demover o chefe do NAE de sua decisão de deixar o cargo.

Ambos conversaram sobre a estrutura do NAE e os projetos desenvolvidos até o momento. Oliva expôs ao professor de Harvard seus antagonismos. Segundo ele, Mangabeira foi bastante educado e reforçou o convite para que permanecesse no cargo. O coronel agradeceu, mas recusou a oferta. "Era muito mais fácil resolver a minha situação", confidenciou ele.

Se no NAE a entrada de Mangabeira provocou a primeira baixa, no Ipea a manutenção do presidente, Luiz Henrique Proença Soares, pode acalmar os ânimos da instituição, vinculada originalmente ao Ministério do Planejamento. Assim que a secretaria foi confirmada, integrantes do PRB, partido do qual Mangabeira é vice-presidente, começaram a veicular a versão de que ocupariam os cargos com nomes do partido.

A reação no Ipea foi forte, obrigando a intervenção do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que ficou insatisfeito com a mudança. Ele assegurou que o corpo técnico do instituto seria preservado. A primeira blindagem diminuiu o medo, mas a apreensão ainda continua. "Esperamos que ele (Mangabeira) cumpra o prometido por ele e pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) de não demitir o atual presidente do Ipea", disse um economista do instituto. Segundo o economista ouvido pelo Valor, a saída do Ipea do âmbito do Planejamento não é a maior queixa dos técnicos do órgão. Mudanças políticas fazem parte do jogo. "Estamos em um governo novo, apesar de comandado por um presidente reeleito. É natural".

Funcionários do Ipea não questionam a formação do professor de Harvard. Afirmam que, para ser professor emérito da instituição americana, Mangabeira deve ter uma sólida formação em direito e economia. "Como possuímos um grande cabedal de conhecimento, não haverá dificuldade de diálogo. O que vai influir é a postura a partir da criação da nova secretaria", disse um integrante do Ipea.

Os funcionários do NAE e do Ipea estão inseguros quanto aos planos de Mangabeira para a nova secretaria. Admitem que é louvável o governo preocupar-se com o planejamento de longo prazo, mas lembram que Mangabeira defendeu que o Ipea se envolvesse em questões de infra-estrutura, área que hoje está completamente fora da alçada do instituto.

A entrada de Mangabeira no governo gera desconforto desde seu anúncio, há dois meses. O professor era representante legal da Brasil Telecom (BrT) nos Estados Unidos e resistiu até o último momento a deixar o cargo. Além disso, dez dias depois de ser convidado para o cargo de ministro, entrou com ação judicial contra a BrT, empresa que tem fundos de pensão ligados a estatais como sócios. O governo exigiu que ele desistisse da ação, mas ele não fez isso. Petistas defenderam que Lula suspendesse a nomeação, mas o presidente, mesmo contrariado, não conseguiu convencer o vice-presidente José Alencar, responsável pela indicação, a desistir do professor.