Título: Punir ainda é o melhor remédio contra a corrupção
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2007, Opinião, p. A14

Quando o Congresso Nacional trata de assuntos que dizem respeito aos seus interesses pessoais, eleitorais ou partidários, todo cuidado é pouco. É preciso ter cautela e crítica para não sancionar interesses pouco republicanos. Agora, por exemplo, enquanto as oligarquias partidárias proclamam a instituição das listas partidárias como a solução única para tirar os parlamentares do noticiário policial, têm pronto para ir a plenário um projeto de emenda constitucional que, a pretexto de introduzir reformas no Judiciário, traz de contrabando um artigo da lavra do senador Romeu Tuma (DEM-SP), que constitucionaliza o foro privilegiado para ex-autoridades, inclusive em ações de improbidade administrativa.

Os tribunais superiores, que já têm uma enorme dificuldade para lidar com os processos que tramitam em foro especial por crime de responsabilidade, passarão a assumir oficialmente também os processos de improbidade, ou seja, corrupção ou atos lesivos ao patrimônio público. Se desde 1968 não houve um caso de condenação de autoridade em processos no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo levantamento publicado pelo jornal "O Globo" de segunda, as chances de algum agente público, ou ex, ser punido tornam-se mais do que mínimas. Serão uma impossibilidade jurídica.

É o caso de se avaliar o que traria mais resultados na moralização da política, nessa enganosa cruzada dos parlamentares: uma mudança na legislação eleitoral de efeito duvidoso - a instituição das listas fechadas e a consolidação do poder das oligarquias partidárias - ou o fim do foro por prerrogativa de função, vulgar e corretamente apelidado de "foro privilegiado".

A decisão do STF na semana passada, que deu ganho de causa ao ex-ministro Ronaldo Sardenberg, condenado em primeira instância pelo uso de aviões da FAB em viagem com a família, já deixou apreensivos aqueles que advogam a tese de que crime de improbidade é assunto da justiça comum, e que o foro privilegiado, mesmo nas ações por crime de responsabilidade, deve ficar restrito aos crimes cometidos pelos agentes públicos no exercício da função, e somente enquanto eles a exercem. Como parte dos votos foi dada por ministros do STF que se aposentaram e foram substituídos por outros, ainda há uma esperança de que a decisão seja revertida na próxima votação de matéria semelhante, e a justiça comum volte a se ocupar dos crimes previstos na Lei de Improbidade Administrativa. O entendimento do STF ainda não é definitivo porque a lei que instituiu essa norma, no final do governo STF - e que foi apelidada de "lei Sardenberg" - legislou contra o definido pela Constituição, de que o foro especial vale apenas para os atuais ocupantes de cargos públicos, e apenas para crimes de responsabilidade.

O foro especial atrai para o Congresso não apenas políticos que querem fazer política, mas também aqueles que respondem a processos criminais e, ao assumirem um mandato legislativo, ganham o privilégio do julgamento pelo STF. Daí é a garantia de impunidade. A matéria de "O Globo" mostra que, de 1968 até hoje, foram iniciados pelo menos 137 processos contra deputados, senadores, ministros de Estado e presidente da República, sem que ninguém fosse condenado - e sequer julgado. O ministro Joaquim Barbosa, quando recebeu a papelada correspondente à denúncia do Ministério Público Federal contra os 40 do "mensalão", deixou claro, de cara, que dificilmente qualquer um dos processos seria concluído. O STF lida com uma realidade de 100 mil novos processos por ano. Os tribunais superiores não têm estrutura própria para conduzir ações criminais - ou seja, não está aparelhado para investigar ou produzir provas.

Em artigo publicado no Valor no dia 1º de junho, o juiz Nino Oliveira Toldo, vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), lembra ainda que muitos dos crimes a que respondem os privilegiados do foro especial têm penas relativamente pequenas e prescrevem logo. Enfim, é ganhar um mandato parlamentar, ou assumir uma função pública, retardar o processo com todos os recursos jurídicos possíveis - e eles existem em profusão - e esperar que a ação vá para a gaveta. É a instituição da impunidade.