Título: Insumo importado ganha espaço
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2006, Brasil, p. A3

As empresas brasileiras estão aumentando as importações de insumos em um ritmo oito vezes mais rápido do que o crescimento da produção de seus fornecedores domésticos. Para os economistas, esse é um indício de substituição de insumos nacionais por importados - estratégia cada vez mais comum nas empresas para reduzir custos e se adequar à valorização do câmbio.

No acumulado de 12 meses até outubro, a quantidade importada de bens intermediários cresceu 14%, segundo estudo da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). A produção doméstica de bens intermediários aumentou apenas 1,7% na mesma comparação, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse resultado prejudicou a produção industrial do país, que cresceu apenas 2,7% no período.

De acordo com cálculos da Quest Investimentos, o consumo aparente (produção mais importação, excluindo exportação) de bens intermediários cresceu 8,2% no terceiro trimestre de 2006 em relação a igual período de 2005, e a produção doméstica de bens intermediários subiu apenas 2,1%. "A distância entre os dois indicadores mostra a parcela conquistada pela importação", diz Paulo Pereira Miguel, economista da Quest.

A consultoria estima que os bens intermediários importados já respondem por 21% das matérias-primas e insumos utilizados pelas empresas brasileiras. O percentual é recorde na história do país. Apenas em 2000 a fatia dos bens intermediários importados havia atingido 20%. De lá para cá, estava oscilando entre 17% e 19%.

Miguel avalia que não é apenas a valorização do real que provoca essa troca de fornecedores, mas principalmente a estabilidade do câmbio no atual patamar. Com o nível de reservas acumuladas pelo país, o robusto superávit da balança comercial e a queda da dívida externa líquida, o real deve se manter valorizado por um bom tempo. "Os empresários enxergam um horizonte de câmbio estável, o que torna mais fácil a decisão de trocar de fornecedores", avalia o economista.

Levantamento elaborado pela consultoria MB Associados a pedido do Valor, com base nos dados da Funcex e do IBGE, indica que esse fenômeno ocorre em diversos setores de bens intermediários. A importação desses produtos está crescendo em ritmo forte. No acumulado de 12 meses até outubro, a quantidade importada de bens intermediários cresceu 12% no setor plástico, 21,7% em celulose, papel e gráfica, 23,2% em outros produtos metalúrgicos e 27,4% em material elétrico.

Em contrapartida, a produção doméstica de itens que são matérias-primas para a produção industrial recuou significativamente. No acumulado de 12 meses até outubro, a produção industrial de preparados químicos diversos caiu 6,8%. A produção de embalagens de material plástico recuou 2% e de laminados de material plástico, 4,8%. A produção de tubos de ferro e aço com costura despencou 15,7% no acumulado de 12 meses até outubro. Em peças fundidas de ferro, a queda foi de 4,6% nesse período.

A importação de matérias-primas e insumos poderia estar crescendo ainda mais. Apesar da alta de 15%, as importações de bens intermediários registram um dos crescimentos menos vigorosos entre as categorias de uso. No acumulado de 12 meses até outubro, a quantidade importada de bens de capital subiu 25% e de bens de consumo duráveis saltou 76%. É o fraco desempenho da economia que inibe a importação e a produção doméstica de insumos. A economia brasileira, prejudicada pelo fraco desempenho da indústria, deve crescer menos de 3% este ano.

Os economistas divergem quanto ao futuro do fenômeno de substituição de fornecedores nacionais por estrangeiros. Para o departamento econômico do Bradesco, o Brasil vive uma fase de transição de um país fechado para uma economia globalizada. Eles avaliam que a indústria brasileira tende a investir mais - as importações de bens de capital seriam uma prova disso. Com mais investimentos, as empresas brasileiras se tornarão mais competitivas e a tendência é que a importação de bens intermediários siga mais de perto o ritmo da indústria.

"O efeito China muda esse cenário", discorda Sérgio Vale, da MB Associados. Ele avalia que é muito difícil para as empresas em uma fase de transição enfrentar um competidor tão forte quanto o país asiático. Por conta da concorrência chinesa, as indústrias não conseguirão investir rápido o suficiente para incrementar sua competitividade antes de fechar as portas.

Vale acredita que, se o câmbio continuar no atual patamar, a tendência é as empresas importarem um percentual cada vez maior de partes e peças até trazer o produto acabado para o país. No segmento de eletroportáteis, muitas empresas já desistiram de produzir no Brasil e estão trazendo batedeiras, ventiladores, torradeiras, entre outros itens, prontos da China.

Miguel, da Quest, também acredita que a troca de fornecedores nacionais por estrangeiros está apenas no início. "É um movimento gradual que foi ganhando consistência ao longo do tempo. Essa é uma percepção muita nova para as empresas", diz. Ele explica que 2006 será o primeiro ano desde 2000 em que o setor externo contribuirá negativamente para o desempenho do PIB. O desempenho do comércio exterior ainda é muito diferenciado entre os setores. "Só agora esse movimento de troca de fornecedores está começando a se generalizar", diz.