Título: Hartung prega reforma da Previdência
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2006, Especial, p. A12

Do alto de uma reeleição em primeiro turno com 77,27% dos votos válidos, proporcionalmente, a maior votação para governador do país, com as contas públicas saneadas e capacidade para investir quase 20% da receita estadual, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB) sente-se com autoridade para propor um esboço de qual deva ser a concertação dos governadores para ajudar o governo a tirar o país do ciclo de crescimento medíocre vivido há muitos anos, com média anual abaixo de 3%.

Para ele, a agenda não pode deixar de fora a reforma da Previdência Social, por mais difícil que seja. "Não dá para um Estado que só consegue investir R$ 10 bilhões por ano ter um déficit previdenciário de mais de R$ 40 bilhões". Ele acha também necessário "ver o que é possível modernizar na legislação trabalhista" e buscar também, sempre no limite do possível, "a própria organização do Estado brasileiro".

Mas Hartung considera que há vários pontos que não podem fazer parte dessa agenda, sob pena causarem retrocesso ou ilusão. "Tem coisas que, na minha visão, são cláusulas pétreas: não precisamos mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que foi um grande avanço para o país, e nem mexer nos contratos das dívidas dos Estados. Temos que caminhar, mas, evidentemente, não podemos fazê-lo dando sinal trocado, sob pena de caminharmos para a desorganização novamente, afetando a credibilidade nacional. Não podemos esquecer que aquilo que não é bom para o país não é bom para os Estados federados", receita o governador capixaba.

Hartung disse estar ciente das dificuldades fiscais de muitos governadores que estão para assumir, citando como exemplos Yeda Crusius (PSDB), do Rio Grande do Sul, e Sérgio Cabral Filho (PMDB), do Rio de Janeiro. "Não é uma insensibilidade minha em relação à situação desses Estados. Temos que encontrar caminhos para ajudar o Rio Grande do Sul. Recuperar o Rio de Janeiro é um assunto de interesse de todo o Brasil".

Para Hartung, cada situação tem sua solução específica. No caso do Espírito Santo, essa solução veio em 2003 em um contrato com com a União para antecipação de R$ 351 milhões em royalties de petróleo, liberada em 18 parcelas. Esse dinheiro ajudou a colocar em dia a dívida do Estado e contribuiu também no pagamento de três folhas de pagamento do Estado que estavam atrasadas quando Hartung assumiu.

Ainda no campo daquilo que não deve ser feito, o governador do Espírito Santo entende que no seu projeto de agenda não há lugar para propor uma reforma tributária agora. "Não podemos criar ilusões. Vamos fazer uma reforma tributária? Não vamos. O que é reforma tributária para o mundo dos negócios e para o cidadão? É diminuir a carga tributária. Vamos para uma reforma que ao fim e ao cabo aumenta essa carga? Não dá, já passamos do limite. Se queremos fazer uma reforma tributária na direção do sentimento da nação, temos que fazer o país crescer e diminuir a despesa pública... talvez a ordem seja inversa".

Para Hartung, dizer que a reforma vai simplificar processos é apenas "dourar a pílula" e fazer "enganação". Ele entende que se o governo precisa prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação das Receitas da União (DRU), isso deve ser proposto sem subterfúgios. Hartung acha também que unificar a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do Estados "não melhora o mundo". Segundo ele, se a unificação for feita sobre as bases atuais, ela será feita por cima e não por baixo, tendo como conseqüência o aumento da carga tributária.

O governador capixaba considera que o período de mais de 12 anos no qual o país convive com a necessidade de uma agenda reformista já amadureceu o tema suficientemente para que se possa "trabalhar com pragmatismo". Essa receita pressupõe que sejam colocadas propostas consideradas essenciais, como a da Previdência Social, "ainda que o remédio seja um purgante". Para Hartung, cabe aos governadores, em parceria com outros setores da sociedade, apresentar a proposta de reforma previdenciária, tomando a frente do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Ele entende que para Lula ficou impossível propor a reforma, uma vez que o debate eleitoral caminhou em sentido contrário.

Segundo a análise de Hartung, a busca desse consenso entre os governadores eleitos começou bem quando o grupo mais próximo politicamente do presidente fez uma reunião e dela não saiu uma proposta dos governadores do governo em contraposição a uma agenda dos governadores da oposição. Ele advoga também que os governadores devem centrar forças no diálogo com o presidente, em vez de buscar um entendimento direto com o Congresso Nacional . Esse diálogo, na sua opinião, deve começar em uma reunião geral com Lula, depois da posse, em janeiro.

Para viabilizar esse entendimento, Hartung considera fundamental distender "a corda esticada entre o PT e o PSDB". Essa corda esticada entre aquelas que são atualmente as duas principais forças na disputa do poder político no país torna difícil qualquer tentativa de uma atuação pragmática em busca de solução para os grandes problemas nacionais. O fato de não haver eleição em 2007 e de a eleição de 2008 ter um caráter local tornaria este momento o mais propício para essa distensão.

Na arquitetura de Hartung, o PMDB pode ser o poder moderador que promoverá o diálogo entre as duas forças litigantes. "Em um determinado momento o PMDB recuou e privilegiou suas bases regionais. O momento atual (considerando os resultados das eleições) permite que ele evolua no sentido de ter uma participação importante na política nacional e até possibilita até sonhar com uma participação organizada nessa política".

Para o governador pemedebista mais bem votado e mais bem avaliado, o partido "está com a faca e o queijo na mão" para dar esse salto de qualidade. E ele completa logo depois, lembrando das muitas vezes que o seu partido preferiu dar prioridade aos interesses específicos dos seus integrantes. "Como diria meu saudoso pai, tem que cortar o queijo e não a mão. O PMDB já andou cortando a mão no passado recente".