Título: Renúncia fiscal cresce nas empresas
Autor: Torikachvili, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2006, Legislação¨& Tributos, p. E1

Foi a maior surpresa dentro da Gerdau quando uma organização social da periferia de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sugeriu que a corporação direcionasse parte do imposto de renda (IR) devido para o Fundo da Infância e Adolescência (FIA). "Muitos empresários doam a fundo perdido sem saber que podem contribuir diretamente com a causa social que escolherem e ainda acompanhar de perto a trajetória da doação", lembra Clodis Xavier, coordenador do Fundo Pró-Infância dos Profissionais Gerdau. Em Curitiba, no Paraná, o HSBC fez a renúncia fiscal em benefício do Hospital Pequeno Príncipe, especializado em tratamentos de alta complexidade. Esse expediente vem propiciando a construção de novas alas e a ampliação do Família Participante - programa que permite aos pais acompanharem os filhos em tempo integral, o que resulta em uma considerável redução na média dos dias de internamento, segundo Ety Forte Carneiro, coordenadora de relações institucionais do Pequeno Príncipe.

O Fundo da Infância e Adolescência é um mecanismo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que permite às pessoas físicas e jurídicas praticar a renúncia fiscal em favor de projetos sociais. Conselhos municipais, estaduais e federais fazem a ponte entre os contribuintes e as organizações sociais escolhidas. "Os conselhos orientam as entidades sociais na confecção de projetos, na administração dos programas, habilitam as organizações a abordar o empreendedor e, de quebra, mostram aos doadores a melhor forma de monitorar a trilha da doação", diz Xavier, da Gerdau. "O contribuinte se transforma em parceiro da causa, vira voluntário e acompanha o crescimento do projeto."

A renúncia fiscal em favor dos fundos faz parte do artigo 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pessoas físicas podem renunciar até 6% do imposto devido e pessoas jurídica, até 1%. Esta modalidade de incentivo fiscal está crescendo em progressão geométrica em São Paulo, segundo Eduardo Pannunzio, coordenador do Grupo de Institutos e Fundações (Gife). "Quando a empresa incentiva os funcionários a fazer a renúncia fiscal, o projeto cresce e o compromisso com a causa é mais sólido", diz Pannunzio. A Gerdau, que vem cultivando essa prática há cerca de sete anos, ostenta um acumulado de R$ 14,8 milhões entre renúncias fiscais de pessoa jurídica e pessoas físicas. Apenas entre janeiro e setembro deste ano foram beneficiadas diretamente 139 entidades que atendem 24.971 crianças e adolescentes.

O HSBC aplica no Fundo da Infância e Adolescência 100% da capacidade de investimento da renúncia fiscal desde 2000. As políticas diferenciadas dos conselhos permitem que o investidor escolha a causa com a qual mais se identifica. Essas condutas entusiasmaram o HSBC, que já vem multiplicando a cultura da renúncia fiscal entre todos os públicos com os quais se relaciona, particularmente os clientes. "Eles se entusiasmam ao saber que podem decidir onde querem aplicar", conta Ana Paula Gumy, diretora-executiva do Instituto HSBC Solidariedade. Em 2005, o HSBC enviou cartas a todo o empresariado paranaense. Neste ano, ofereceu aos 28 mil colaboradores a oportunidade de participar de ações que contemplem causas sociais no Paraná. "Renúncia fiscal não é assistencialismo, quem doa se torna co-participante da causa", diz Ana Paula.

-------------------------------------------------------------------------------- Só no município de São Paulo foram aplicados R$ 2 milhões em 2005 e em 2006 o total já chegou a R$ 66 milhões --------------------------------------------------------------------------------

Pelas contas de Clodis Xavier, da Gerdau, de cada real que sai de São Paulo em forma de imposto devido a União devolve 20 centavos. Para que o imposto devido entre diretamente na conta da causa escolhida, a Gerdau desenvolveu um software e disponibiliza o sistema a todas as empresas interessadas. Ali, a pessoa física faz a simulação, processa o cálculo e, uma vez por mês, direciona os valores devidos pelo contribuinte. No caso da Gerdau, a empresa adianta os valores em nome do colaborador e deposita na conta do conselho, que faz a ponte para a entidade escolhida.

A renúncia fiscal é uma cultura que ainda tem muito espaço para crescer. Só no município de São Paulo foram aplicados R$ 2 milhões em 2005. Em 2006 já chegou-se a R$ 66 milhões. Pelos cálculos de Xavier, pelo menos R$ 400 milhões por ano poderiam ser investidos no Fundo da Infância e Adolescência. "Se existe uma lei que pode dar transparência à doação, por que não aproveitar a possibilidade?" Renúncia fiscal é uma prática adotada também pelo Banco Real desde 2002. O Amigo Real começou como um projeto piloto em que o paradigma foi Minas Gerais, a partir da experiência do Instituto Telemig Celular. Entre 1990 e 2001 os conselhos municipais e tutelares em Minas chegaram a 499. Entre setembro de 2001, a partir do trabalho do instituto, até junho de 2004, os conselhos chegaram a 1.318. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) apoiou e incentivou as 100 maiores empresas mineiras a colaborar. Resultado: entre 2001 e 2003 houve um aumento de 1.316% no volume de arrecadação para o Fundo da Infância e Adolescência, que passou de R$ 285 mil para R$ 4 milhões.

Essa experiência animou o Banco Real. Na primeira empreitada, em 2002, a arrecadação de recursos teve como destino o Vale do Jequitinhonha - escolha feita a partir de indicadores como baixo índice de desenvolvimento infantil e alto índice de exclusão social. Em 2003 foram eleitos 28 projetos para uma arrecadação de R$ 975 mil com uma contrapartida do Real de R$ 1,2 milhão. Em 2004 a participação dos funcionários chegou a R$ 1,6 milhão com uma contrapartida do Real de R$ 480 mil. Em 2005 os funcionários renunciaram a R$ 1,8 milhão e o Real compareceu com R$ 1,2 milhão. "As equipes de apoio aos projetos funcionam à distância e estão a postos durante o ano inteiro", diz Laura Oltramare, superintendente de educação e desenvolvimento sustentável do Real. A adesão de clientes também vem crescendo: as 56 pessoas físicas que renunciaram em 2004 cresceram para 5.555 em 2005. A adesão de pessoas jurídicas bateu em 2.146 clientes em 2005.

A renúncia fiscal entrou na Companhia Paranaense de Energia (Copel) na Páscoa deste ano - através do Hospital Pequeno Príncipe, segundo Rubens Ghilardi, presidente da companhia. "O Pequeno Príncipe, que fica a cinco quadras da nossa sede, faz um trabalho que nos envolve e, a partir dele, envolvemos clientes, funcionários, empresários e começamos uma parceria da qual somos os padrinhos", conta. O próximo passo é divulgar o projeto pelo Estado inteiro e envolver as cerca de 100 mil empresas ligadas à Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep). A Copel atende praticamente 100% dos domicílios da área urbana, ou 3,2 milhões de consumidores, e emprega mais de oito mil pessoas. Com esse contingente, Ghilardi acredita que o benefício da renúncia fiscal de empresas e pessoas físicas mal está começando.