Título: Corte de gastos testa Dilma
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 03/01/2011, Economia, p. 11

Para combater a praga da inflação, presidente terá que adotar rigor fiscal. Descrente, o mercado dará trégua de 100 dias A praga inflacionária que durante anos destruiu o poder de compra dos brasileiros e, nos últimos meses, voltou a assombrar os orçamentos familiares, foi um dos temas lembrados pela presidente Dilma Rousseff em seu discurso de posse. Mas para garantir a estabilidade de preços, como se comprometeu a chefe do Executivo, a nova equipe econômica terá que promover, já nos primeiros dias de governo, os ajustes na política fiscal que deveriam ter sido realizados pela equipe econômica de Lula, mas não o foram. Detalhe: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconduzido ao cargo, segue desacreditado pelo mercado. Poucos esperam que a promessa de austeridade fiscal ultrapasse a retórica e vire realidade.

¿A postura mantida em relação aos gastos públicos em 2010 é uma demonstração de que o ministro Guido Mantega está conseguindo, aos poucos, imprimir a sua visão de que controle de despesas e austeridade é uma questão secundária¿, alfinetou André Sacconato, economista da consultoria Tendências. Descrente em relação à real disposição da equipe econômica de transformar o discurso em medidas concretas, o economista espera mudanças marginais na administração Dilma.

O descontrole é total. Entre janeiro e novembro de 2010, o deficit das contas do setor público somou R$ 85 bilhões e, se considerados os últimos 12 meses, o valor quase bate nos R$ 100 bilhões, mostram os dados do Banco Central. Além do rombo, a meta de superavit primário ¿ dinheiro separado para o pagamento dos juros da dívida, que também serve como parâmetro para medir o esforço fiscal do governo ¿ não será cumprida integralmente, mesmo depois das diversas manobras contábeis feitas com essa finalidade. ¿O fato é que tem de mexer na parte fiscal. O governo abriu a torneira no último ano e crescemos perto de 8%, mas isso não é saudável e não pode continuar¿, alertou o sócio da corretora Progredir Investimento Eduardo Otero.

Pressões Apesar de não ter anunciado medidas pontuais para corte de gastos, Mantega prometeu, como no ano passado, o cumprimento do esforço fiscal integral, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), estabelecido na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). ¿É o nosso objetivo. Vamos fazer uma redução de gastos e já estamos impedindo novos aumentos de despesas já existentes¿, afirmou no fim da semana passada. A decisão de não elevar o salário mínimo além de R$ 540 teria sido, segundo o ministro, um primeiro sinal de pé no freio. Mas os analistas são céticos se o compromisso é para valer. Temem que Dilma, com a caneta na mão e sob a orientação do auxiliar, ceda às pressões das centrais sindicais por um mínimo mais robusto.

Apesar de Mantega, parte do mercado ainda acha que vale dar um voto de confiança ao novo governo. ¿Pelo discurso (feito por Dilma na posse), estou comprando a ideia de racionalidade econômica. Não espero um corte efetivo, mas uma redução no ritmo de disparada dos gastos. O aumento do salário mínimo dentro das regras simbolizou que existe uma vontade política de enfrentar, o que for necessário para segurar a expansão das despesas, a despeito de pressões externas¿, ponderou Roberto Padovani, do Banco WestLB. Para o economista, a adoção por parte da equipe econômica de um discurso que apoia o crescimento da participação privada nos investimentos e na oferta de crédito também pode ser considerada uma sinalização emblemática.

O governo Lula defendeu, especialmente nos últimos anos, a ideia de um estado indutor da economia. Com a saturação dos canais de financiamento, a nova gestão quer a atuação mais forte dos empresários. Padovani acredita que nos primeiros 100 dias de mandato algumas medidas poderão consolidar a disposição da nova equipe em segurar os gastos públicos. ¿Dilma vai querer levar em frente a reforma tributária e buscar a regulamentação da reforma da Previdência. Além disso, sua equipe deve pressionar pela aprovação (pelo Congresso) do mecanismo que disciplina o aumento de salários dos servidores públicos, uma medida fundamental para reduzir a expansão dos dispêndios¿, estimou.

Artimanhas Em 2010, a equipe econômica apelou para várias artimanhas para engordar o superavit primário (economia feita para o pagamento de juros) do governo e tentar cumprir, apesar dos gastos desenfreados, o compromisso de poupar 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Das manobras contábeis, somente a da capitalização da Petrobras rendeu aos cofres públicos R$ 31,9 bilhões. O dinheiro foi emitido em forma de dívida pública e contabilizado como receita.

Câmbio é problema Victor Martins

A presidente Dilma Rousseff mal tomou posse e está numa encruzilhada. Precisa subir a taxa básica de juros (Selic) para conter a inflação sem que, com isso, leve ao chão a cotação do dólar e, ao mesmo tempo, complique a vida da indústria nacional. Além do bolso do consumidor e de milhares de empregos, os próximos meses colocarão à prova a credibilidade da nova equipe econômica. Nos bastidores, governistas têm ventilado que a presidente tomará medidas agressivas para conter a supervalorização do real. Mas a dúvida de economistas é se realmente haverá disposição para abandonar soluções paliativas em favor do que realmente precisa ser feito para vencer a guerra cambial.

¿Enquanto não mexer na parte fiscal, vai ter de usar paliativos. Só espero que não caminhem para uma quarentena. Isso não seria saudável¿, ponderou Eduardo Otero, sócio da Progredir Investimentos. No gabinete de Dilma, discute-se intensamente o aumento de tarifas para investimentos estrangeiros e a redução de impostos para o setor produtivo. Para Jankiel Santos, economista-chefe do Espírito Santo Investiment Bank, seria um contrasenso qualquer ação desse tipo. ¿O Banco Central foi enfático nessa questão durante o último relatório de inflação. Se o governo começasse a evitar uma apreciação do real, seria uma desajuda para o controle inflacionário¿, avaliou.

Na visão do economista, o mercado ainda ficaria desconfiado de que não existe coordenação entre a equipe econômica e teremos apenas mais do mesmo. Com a proximidade do primeiro Comitê de Política Monetária (Copom) do governo Dilma ¿ em 26 e 27 de janeiro ¿ e a divisa americana cotada a R$ 1,666 (na quinta-feira), o problema cambial se agrava. A expectativa é de uma alta de até 0,5 ponto percentual, o que vai atrair ainda mais dólares para o país e derrubar a cotação da moeda.