Título: Burocracia trava negócios com a Venezuela
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Brasil, p. A4

Apesar da recente expansão do intercâmbio bilateral, o crescimento mais acelerado dos negócios entre Brasil e Venezuela esbarra no excesso de burocracia do país vizinho, ampliado nos oito anos do governo "bolivariano" do presidente Hugo Chávez. É o que afirma o engenheiro Nelson Quijada, dono de uma processadora de soja com sede em Caracas e presidente da Câmara de Comércio e Indústria Venezuelana-Brasileira.

Segundo ele, a infinidade de normas e licenças para operações de comércio exterior na controlada economia venezuelana aumentou o poder discricionário dos funcionários públicos e, conseqüentemente, o espaço para a corrupção, embora Quijada afirme não conhecer casos específicos de irregularidades.

"Uma permissão fitossanitária, que no Brasil sai em dois dias, aqui demora dois meses", queixa-se o empresário, mencionando um obstáculo que atinge particularmente o comércio de produtos agropecuários. Essa não é a única preocupação. Atualmente, o setor privado e o governo da Venezuela tentam superar o impasse com as seguradoras locais, que têm negado seguros internacionais para caminhões que cruzam a fronteira com o Brasil.

Outra fonte de problemas no comércio bilateral está no controle de câmbio na Venezuela, que mantém a moeda local fixada em 2.147,5 bolívares por dólar. Como a saída de divisas é fortemente controlada, a Cadivi, um órgão estatal, precisa autorizar individualmente cada pagamento de importação. "Às vezes, a licença para importação demora dois meses. Em outros casos, leva até sete meses", conta Quijada.

A falta de previsibilidade para obter essas autorizações prejudica o comércio, observa o presidente da Câmara. Empresários brasileiros freqüentemente temem vender um produto para a Venezuela e só receber o dinheiro muitos meses depois, devido às travas estabelecidas pela Cadivi, que pode até negar a transferência do dinheiro.

De janeiro a outubro, as exportações brasileiras ao país vizinho alcançaram US$ 2,9 bilhões - em todo o ano passado, chegaram a US$ 2,2 bilhões. No sentido oposto, as vendas de produtos venezuelanos ao Brasil somaram US$ 528 milhões nos dez primeiros meses do ano.

O crescimento é significativo, mas ainda mantém o intercâmbio entre os dois vizinhos bem abaixo do seu potencial, segundo Quijada. De acordo com ele, tanto Chávez quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concordaram em estimular o comércio bilateral com vistas a diminuir o superávit brasileiro. "Vontade política existe, mas esses entraves só vão se resolver quando as decisões passarem do discurso aos fatos", diz Quijada. Para isso, ele sugere impulsionar joint ventures entre empresas brasileiras e venezuelanas, além de acelerar o processo de incorporação da Venezuela ao Mercosul, respeitando as assimetrias.

Quijada ressalta, porém, que o governo e os empresários venezuelanos precisam fazer a sua própria lição de casa. Do lado do setor privado, dar prioridade à exploração do mercado do Norte e Nordeste brasileiros, mais próximos geograficamente. "Só essas duas regiões têm mais gente do que toda a Venezuela, e poderíamos estar exportando mais para lá", afirma o empresário.

Do lado governamental, diz Quijada, cabe aos ministros de Chávez promover um desaparelhamento geral dos órgãos estatais, onde muitos cargos técnicos foram ocupados por políticos chavistas e partidários do Movimento Quinta República, sigla do presidente. "Precisamos tratar de profissionalizar a administração pública", assinala.

Quanto aos temores de uma possível radicalização da gestão macroeconômica no novo mandato de Chávez, conquistado na semana passada, Quijada esforça-se para tranqüilizar os empresários brasileiros. "Os lucros das multinacionais que estão na Venezuela foram enormes nos últimos anos", afirma. Para ele, o medo de desapropriações e limitação dos lucros foi induzido pelo discurso da oposição. "Entre o que Chávez diz e o que ele faz, há uma grande distância."

Para o presidente da Câmara de Comércio, a decisão do governo venezuelano de pedir o ingresso no Mercosul foi acertada. Segundo ele, os níveis de produtividade na Comunidade Andina são muito baixos e não ajudam na modernização da indústria local. "É como viver num hospital, em que às vezes você melhora, mas logo em seguida há um doente que o contamina de novo", compara Quijada.