Título: Mais do mesmo
Autor: Wilner, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2006, Caderno Especial, p. F1

Dificilmente a economia brasileira vai crescer 5% no ano que vem, como sonha o presidente Lula. Especialistas de distintas vertentes acreditam, em média, numa taxa de 3,5%, pouco mais do que os 3% previstos para 2006. "O patamar de 5% é muito mais político do que técnico", diz Joel Bogdanski, gerente de política monetária do Itaú. Apesar de os indicadores econômicos terem melhorado muito nos últimos anos - principalmente no que tange à fragilidade externa, o Brasil ainda é um país com sérios desequilíbrios. Juros altos, carga tributária pesada, insegurança jurídica e gastos governamentais exponenciais travam o investimento privado e público. Por tabela, o PIB não deslancha.

De acordo com as expectativas de mercado colhidas pelo Banco Central (publicadas no relatório Focus), prevê-se para 2007 um pouco mais do mesmo: inflação ao redor de 4%, câmbio médio de R$ 2,23, juros caindo de 13,25% para 12%, dívida líquida do setor público com leve redução de 50% para 49% do PIB e saldo na balança comercial baixando de US$ 45 bilhões para US$ 38 bilhões. Nada de mudanças radicais. Nem para melhor nem para pior. Por trás dessas projeções, como principais pressupostos, não está prevista qualquer modificação brusca na política econômica nem no cenário internacional.

Há quem defenda, dentro e fora do governo, uma redução mais ousada na taxa de juros. "Sem estímulo, a demanda e o investimento não se movem", avalia o economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Além de gerar um enxugamento nos gastos com pagamento de juros, a diminuição da Selic torna os investimentos produtivos mais atraentes. Com o crescimento mais forte que daí resulta, as despesas do governo podem se acomodar melhor, sobrando mais recursos para saúde, educação, programas sociais e infra-estrutura.

A visão predominante, no entanto, é que corte na taxa de juros é ponto de chegada, depois de todas as reformas necessárias (tributária e previdência) e arrumada a casa em Brasília. "Se reduzir os juros antes, vai ter volta da inflação ou problema de solvência da dívida", diz Márcio Garcia, professor do departamento de economia da PUC-Rio.

Numa corrente intermediária, há quem acredite que, mesmo com espaço para uma redução maior da Selic, não estarão dadas as condições para uma aceleração da taxa de crescimento. "Está ficando cada vez mais claro que somente a queda de juros não fará o crescimento voltar", afirma o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros.

O economista acredita que a Selic possa chegar abaixo dos 12% rapidamente. Com a elevação dos preços das commodities e o dinamismo do mercado mundial, o real valorizou-se e o câmbio chegou ao patamar entre R$ 2,15 e R$ 2,20. "A volatilidade da moeda desabou", diz Mendonça de Barros. "O real é hoje uma das moedas mais fortes e estáveis do mundo." As importações crescentes ajudam a controlar a inflação. Não seria preciso manter os juros tão altos, embora, para Mendonça de Barros, uma taxa "realmente civilizada" só virá com a redução de gastos públicos e de impostos.

-------------------------------------------------------------------------------- Apesar da melhora dos indicadores, o Brasil ainda sofre com desequilíbrios como juros altos e gastos governamentais exponenciais. Isso trava o investimento e o PIB não deslancha --------------------------------------------------------------------------------

Para o economista, a entrada de bens importados, tanto intermediários quanto finais, pode até ter um impacto positivo nos índices de preços, mas vem dificultando a vida das indústrias no Brasil. "Para muitos, foi uma surpresa o baixo crescimento deste ano, mas não para quem está olhando a parte externa", diz Mendonça de Barros. As empresas brasileiras não têm condições de competir de igual para igual com as estrangeiras, devido à alta carga tributária e a questões de regulamentação que empacam os investimentos. Para resolver esse problema, há duas alternativas: oferecer ao menos condições equivalentes em relação aos concorrentes internacionais ou estabelecer algum tipo de controle de capital, como defende Belluzzo. Para Belluzzo, o Brasil tem hoje um bom superávit na balança comercial, mas a situação pode se reverter rapidamente, pois o país exporta bens de baixo valor agregado, sem diferenciação, sujeitos a mudanças cíclicas e à entrada rápida de novos competidores. "Nós conhecemos o risco que um país tem em se apoiar numa economia de commodities", afirma. "A questão da fragilidade externa não foi resolvida".

Os anos de bonança na economia mundial também não vão ser eternos, acreditam analistas. O déficit em conta corrente dos EUA aproxima-se da marca de 7,5% do PIB, ou US$ 1 trilhão. Qual o limite para os desajustes macroeconômicos globais?

Se a questão externa não é tão clara, a fiscal é ainda mais obscura. Nos últimos meses, só se tem ouvido falar de planos para reduzir os gastos do governo, sem uma conclusão ainda bem delineada. "No Brasil, houve uma completa desmoralização da palavra reforma", diz Marcel Pereira, economista-chefe da RC Consultores. "Reformas não são feitas de quatro em quatro anos. Ninguém troca o encanamento da casa todo o tempo".

Há um consenso de que, de alguma forma, os gastos do governo devem ser desindexados. Alguns propõem a dissociação da previdência do salário mínimo. Márcio Garcia acredita que se devem desvincular os gastos como proporção do PIB, de forma a que não haja aumentos reais, mas apenas correção monetária. "As despesas devem ser corrigidas de acordo com um índice de preços", diz.

Uma das prioridades do governo, ao que parece, será reduzir o ritmo de crescimento dos gastos e oferecer alguma desoneração tributária, principalmente para investimentos. Por outro lado, para manter os programas sociais que sustentam a política do governo, gastos são necessários. Na opinião de Belluzzo, apesar de ser possível fazer alguma desindexação, principalmente nos benefícios previdenciários, os dispêndios públicos são essenciais para estimular demanda, investimentos e crescimento econômico.

Para Mendonça de Barros, seria necessário, ao longo dos próximos anos, fazer uma redução dos gastos públicos em pelo menos 3% do PIB, como defende também Yoshiaki Nakano, um dos formuladores do programa econômico da candidatura Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência da República. "Como não acredito em Papai Noel, não vejo nenhuma possibilidade de o governo Lula trilhar este caminho", diz Mendonça de Barros.

Pelas projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), instituto ligado ao Ministério do Planejamento, o Brasil só crescerá 5% a partir de 2017, mesmo que fizer todas as reformas tão propagadas. Não se revertem problemas de infra-estrutura (principalmente no setor elétrico) e a baixa taxa de investimento da noite para o dia. Nos últimos vinte anos, a rentabilidade do mercado de renda fixa foi de 12,2% ao ano, contra 8,1% no mercado de ações. "Ainda temos uma economia que funciona do avesso", diz Pereira, da RC.