Título: Governo quer crédito oficial financiando obras
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2006, Brasil, p. A5
O governo estuda repetir o modelo de financiamento da ferrovia Nova Transnordestina para tirar da gaveta outros projetos de infra-estrutura que hoje esbarram na falta de recursos. A intenção é usar mais as linhas oficiais de crédito, cujo aproveitamento ainda deixa a desejar, com o objetivo de tornar viáveis empreendimentos com participação do setor privado.
Estão na lista de projetos o prolongamento da Ferronorte em Mato Grosso, a construção do Ferroanel de São Paulo e a variante ferroviária Ipiranga-Guarapuava, no Paraná. O modelo também poderá ser utilizado para impulsionar investimentos em modernização dos portos, com participação dos arrendatários.
Essa possibilidade foi discutida, na semana passada, durante reuniões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seus ministros. Na avaliação do Palácio do Planalto, existem fontes de financiamento oficiais que hoje são mal aproveitadas e podem servir de base para investimentos em expansão da infra-estrutura.
O caso da Transnordestina foi citado porque a ferrovia, cujas obras começaram em junho, está recebendo financiamento de R$ 2,2 bilhões do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, R$ 823 milhões do Finor e de R$ 400 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O empréstimo é para a Companhia Ferroviária do Nordeste (CFN), vinculada à CSN, que também investe R$ 1,05 bilhão em capital próprio.
A avaliação do governo é de que há outras linhas de crédito com sobras de recursos. O BNDES já recebeu a incumbência de preparar estudos para o Ferroanel de São Paulo, uma obra de quase R$ 1 bilhão para contornar a malha ferroviária da capital paulista, dando mais agilidade ao enorme fluxo de cargas com direção aos portos de Santos (SP) e Sepetiba (RJ). Nos bastidores, Lula tem demonstrado forte preocupação com o obstáculo que a carência em infra-estrutura pode representar aos seus sonhos de levar a economia a um crescimento de 5% ao ano no segundo mandato.
A produção das ferrovias brasileiras deverá atingir 237,7 bilhões de TKU (tonelada transportada por quilômetro útil) em 2006, o que representa crescimento de 7,1% em relação ao ano passado. Desde o início da transferência das ferrovias à iniciativa privada, em 1997, a carga transportada por esse modal mais do que dobrou e foram investidos R$ 11,4 bilhões pelas concessionárias, de acordo com a Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF).
Mas o salto de produtividade obtido no setor esbarra agora na reduzida malha ferroviária do país e o governo quer tornar viável a expansão das linhas existentes. Nas reuniões de infra-estrutura que liderou na semana passada, Lula manifestou inquietação com o escoamento da produção agrícola, especialmente nas novas fronteiras do agronegócio.
A avaliação geral é que, nos últimos anos, o alto custo do frete foi amplamente compensado por dois outros fatores: o real desvalorizado e aumento no valor das commodities. Para o governo, com a valorização da moeda brasileira e a relativa estabilidade na cotação dos produtos agrícolas, o estrangulamento de portos, rodovias e ferrovias precisa ser atacado de modo urgente.
Por isso, o presidente determinou a inclusão do asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém) no Projeto Piloto de Investimentos (PPI) - nesse programa, os gastos não são contabilizados como despesas e não afetam a apuração do superávit primário. Foram alocados inicialmente R$ 108,4 milhões no PPI para dar largada nas obras, em pelo menos quatro trechos, mais ao norte da rodovia. Mais recursos podem entrar ao longo de 2007, sobretudo se o programa for expandido, conforme deseja o presidente Lula.
A equipe econômica avalia o aumento do PPI dos atuais 0,2% para 0,5% -- o que significaria um aporte adicional de R$ 6 bilhões em infra-estrutura. Mesmo sem modificações, o Ministério dos Transportes deverá contar com R$ 3,9 bilhões em verbas do PPI no ano que vem. A maior parte do dinheiro irá para recuperação e duplicação de estradas. Só a duplicação da BR-101 Nordeste (de Natal até a divisa de Sergipe com a Bahia) deverá receber algo em torno de R$ 800 milhões. A duplicação da BR-101, entre Palhoça (SC) e Osório (RS), poderá ter R$ 523 milhões, se for aprovada a proposta orçamentária em apreciação pelo Congresso Nacional.
Caso a equipe econômica encontre uma fórmula para ampliar o PPI, a ferrovia Norte-Sul pode ser uma das principais beneficiadas. Na virada do ano, o governo terá concluído as obras de expansão até Araguaína, em Tocantins. Em setembro, houve seguidas tentativas de leiloar a subconcessão da ferrovia, hoje operada pela Valec, uma estatal.
Foi fixado um preço mínimo de R$ 1,478 bilhão para a licitação da Norte-Sul e apareceram três grupos interessados. O mercado via a Companhia Vale do Rio Doce como favorita para arrematar a subconcessão. A empresa desistiu, em cima da hora, de participar do leilão, avaliando que o valor estava excessivamente alto. O próprio governo chegou à mesma conclusão, embora o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha suspendido a licitação com o argumento inverso: de que o preço estava subestimado.
O Ministério dos Transportes consultou o TCU sobre a elaboração de um novo edital e tentará baixar o valor mínimo da outorga. Esses recursos irão para a Valec, que será responsável pela extensão de 359 quilômetros da ferrovia até Palmas, enquanto a operação ficará com a arrendatária. No entanto, o governo já trabalha com a hipótese de que o leilão ainda demore vários meses para acontecer e de que, mesmo com ajustes no edital, não surjam interessados. Para não perder tempo, a idéia é alocar verbas no PPI com o objetivo de dar continuidade às obras da Norte-Sul com recursos orçamentários.