Título: Metas argentinas para uso de álcool em xeque
Autor: Rocha, Alda do Amaral
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2006, Agronegócios, p. B12

A valorização nos preços internacionais do milho também provocou um 'surto' de declarações de exportação do grão na Argentina, o que levou o governo do país a suspender temporariamente o registro de declarações juradas. Em entrevista concedida por telefone de Buenos Aires, Patricio Lamarca, chefe de gabinete da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Alimentos da Argentina, afirmou que o volume "inusual" de declarações de exportação - 10,5 milhões de toneladas da safra 2006/07, que começa a ser colhida em março, quando a média histórica para o período é de 800 mil - pode interferir nas metas do país de contenção da inflação e de produção de álcool a partir do milho.

"O país tem projetos para ampliar a produção de álcool principalmente a partir do milho e, certamente, essa mudança no quadro de exportações produz efeitos no mercado interno. Além disso, a Argentina vive um processo de expansão da economia, que tem a redução da inflação como um dos objetivos centrais. São muitas as dimensões que o governo teve que considerar para tomar essa decisão", afirmou Lamarca ao Valor.

A legislação argentina torna obrigatória, a partir de 2010, a mistura de 5% de álcool na gasolina. Hoje, o país possui duas usinas que produzem álcool a partir do milho e consomem em média 500 mil toneladas do grão por ano, segundo dados da Maizar - Asociación Maíz Argentino, entidade que reúne toda a cadeia produtiva do milho. Uma das destilarias, do grupo Los Balcanes, foi inaugurada o mês passado e tem capacidade para produzir 350 mil litros diários.

A Adeco Agro, fundo liderado pelo megainvestidor George Soros, também anunciou recentemente o projeto de uma planta para 200 milhões de litros de etanol, que demandará investimentos entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões e demandará 500 mil toneladas de milho por ano.

Martín Fraguio, diretor-executivo da Maizar, afirma que hoje existem estudos para a construção de outras 30 usinas de álcool no país, o que demandará aportes de US$ 4 bilhões nos próximos anos. "Para atender à demanda de álcool para 2010, será necessário produzir 10 milhões de toneladas de milho a mais para garantir a oferta. Para isso, será preciso ampliar a área plantada em 1,3 milhão de hectares", calcula Fraguio.

Ele estima que, de modo natural, a produção de milho tende a crescer entre 15% e 20% por ano. "O avanço do plantio e dos projetos de usinas dependerá de como ficarão os preços do grão e do etanol", diz Fraguio. Ele observa que nos últimos 20 dias o preço do milho subiu 60% no mercado argentino, o que provocou o 'surto' de declarações de exportação. "Hoje a tonelada de milho custa entre US$ 40 e US$ 50 ao produtor. No mercado interno, ela é vendida a US$ 117 a tonelada, mas no mercado externo vale em torno de US$ 150", afirma.

Lamarca observa que os preços do milho no mercado interno têm acompanhado a valorização registrada no exterior e existe um grande interesse de produtores em fechar negócios junto ao mercado externo. "O preço caiu na segunda-feira, quando saiu a medida, mas já voltou a subir."

Fraguio, da Maizar, afirma que o avanço das exportações também assusta a cadeia produtiva. "Toda a produção de suínos da Argentina consome 600 mil toneladas de milho por ano, e isso é o que uma usina consome. Qualquer mudança na demanda provoca um estampido nos preços."

Conforme Lamarca, da Secretaria de Agricultura, a produção de milho para a safra 2006/07 está estimada entre 18 milhões e 20 milhões de toneladas, volume 10% superior ao alcançado no último ciclo. Desse volume, 10,5 milhões já estão comprometidos com declarações de exportação e o consumo interno é estimado em torno de 8 milhões de toneladas. Conforme o chefe de gabinete, a decisão de suspender as declarações de exportação não foi tomada para impedir os embarques ou para controlar o volume ofertado no mercado interno. "O plantio sequer foi concluído, a semeadura está a 80% da área prevista. Decidimos fazer uma vistoria para revisar a validade desses registros. O que se pode supor no momento é que existe uma manobra especulativa."

De acordo com a resolução 775, publicada no Diário Oficial argentino de segunda-feira, as empresas que fizeram declaração terão que fornecer documentos que confirmem o compromisso de venda ao exterior. Quem não o fizer pagará multa equivalente a 15% do valor previsto para ser exportado.

O governo argentino estima que levará em torno de um mês para avaliar todos os documentos e retomar o trabalho de registros das exportações. "O mais provável é que boa parte das declarações já feitas seja mera especulação", afirmou. Ele observa que em toda a safra 2005/06, a Argentina exportou 8,525 milhões de toneladas.