Título: Importação eleva descompasso entre indústria e varejo no terceiro trimestre
Autor: Neumann, Denise
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2006, Brasil, p. A2

No terceiro trimestre deste ano aumentou o descompasso entre o crescimento das vendas do varejo e a produção industrial. De julho a setembro, o comércio vendeu 1,8% mais do que nos três meses anteriores, um ritmo que projetado para 12 meses representa um crescimento superior a 7% ao ano. Na mesma comparação, a indústria produziu apenas 0,4% mais - ou mísero 1,6% ao ano, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para os dois indicadores.

O resultado do comércio, apesar do descompasso com a produção, está amparado no aumento da massa salarial ao longo deste ano - 6,3% até agosto, segundo os dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE - e em uma recuperação da capacidade de endividamento do consumidor, dado que os indicadores de inadimplência estão comportados e o emprego continua crescendo.

Os analistas concordam que uma parte da explicação para este comportamento tão diferente está no aumento das importações, que estão mais baratas em função do câmbio valorizado e por isso substituem uma parcela crescente dos bens produzidos no mercado doméstico. Enquanto produção nacional cresceu 2,2% no acumulado dos últimos 12 meses, o volume importado aumentou cinco vezes mais: 11%.

As importações, contudo, não são a única explicação apontada pelos economistas. Para Fernando Monteiro, economista-chefe da corretora Convenção S.A., parte da demanda também foi atendida por estoques da indústria. Sérgio Vale, da MB Associados, acrescenta outra razão: uma parcela do varejo, especialmente o das regiões de menor renda, também está sendo abastecida por uma produção informal e que por isso não é captada pelas estatísticas do IBGE.

Na avaliação da área e varejo da Tendências Consultoria Integrada, o forte desempenho do varejo em setembro - em volume, alta de 10,1% em relação a setembro de 2005 e de 2,06% na comparação com agosto já descontados os efeitos sazonais - é uma indicação de que as vendas do varejo aqueceram. Foi o segundo mês consecutivo de forte desempenho do comércio (em agosto, as vendas cresceram 2,73% sobre julho, na série ajustada, e 6,3% sobre agosto de 2005), lembra a economista Camila Saito, da Tendências. "E foi um movimento generalizado, em todos o setores, e que está continuando em outubro", explica Camila, chamando atenção para as vendas de automóveis, que em outubro foram 2,3% superiores as de setembro. Na média, de julho a outubro, as vendas de automóveis no mercado interno estão 11% superiores às do primeiro semestre.

Para Monteiro, apesar do aumento expressivo das importações, especialmente de bens de consumo duráveis - 80% de alta no volume este ano, em relação aos primeiros nove meses de 2005, segundo dados da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) - ele não explica toda a diferença entre a produção da indústria e as vendas do varejo. Ele acredita que parte da diferença também está no volume de estoques acumulado tanto na indústria como no varejo.

O Brasil não possui indicadores que meçam o volume de estoques. Mas se parte das fortes vendas do comércio foi abastecida por bens acumulados nas prateleiras, agora essa demanda vai voltar à indústria. "Pode ser que as vendas do varejo estimulem a indústria neste quarto trimestre", avalia Sergio Vale, da MB Associados. Os primeiros indicadores de outubro apontam um ritmo forte de produção, diz ele. A indústria, depois da queda de 1,4% em setembro na comparação com agosto, pode ter uma alta entre 1,0% e 1,5% em outubro.

No mês passado, tanto a produção de automóveis como a expedição de papelão ondulado (dois importantes indicadores antecedentes da produção) vieram fortes. "Essa perspectiva de uma produção mais forte nestes últimos meses do ano não muda a expectativa de um Produto Interno Bruto (PIB) apenas 2,7% maior do que o do ano passado, mas pode melhorar a perspectiva para o início de 2007", argumenta Vale.

Em setembro, as vendas que mas influenciaram o desempenho do comércio foram as do segmento de bens não-duráveis, com alta de 11% em relação a igual mês do ano passado. Sozinho este segmento (representado pelos supermercados) respondeu por 5,6 pontos percentuais da alta de 10,1% do mês.

Este resultado, concordam Vale e Monteiro, está relacionado ao pagamento (em setembro) da primeira parcela do 13º salário dos aposentados, que injetou uma renda extra de R$ 6 bilhões na economia. Além de alimentos, ele também explica o aumento nas vendas do setor farmacêutico, observa Vale. "São duas despesas típicas desta parcela da população", acrescenta.

Também regionalmente a renda extra dos aposentados ajuda a explicar o desempenho do comércio. Em relação a setembro, as vendas aumentaram 44% no Acre, 40% em Roraima, 26% no Amapá, 23% em Alagoas e 18% no Maranhão.

Embora com menor peso na influência do índice geral, os setores com vendas vinculadas à concessão de crédito voltaram a registrar forte expansão em setembro, após resultados mais fracos em junho e julho. As vendas de eletrodomésticos e móveis cresceram 20,6% em setembro na comparação com setembro passado e 3,9% sobre agosto (mês em que as vendas deste segmento já haviam crescido 8,4% sobre julho). Para a LCA Consultores, além da recuperação da capacidade de endividamento, o "aumento dos prazos de financiamento e a redução dos juros do crediário, que vem sendo praticado por grandes redes varejistas desde junho" alavancaram esse resultado.

Monteiro observa que todos os componentes da demanda estão crescendo no terceiro trimestre. Além do consumo das famílias, também o investimento e os gastos do governo estão em alta. Nas suas projeções, o investimento fixo cresce 6,6% na comparação com o terceiro trimestre de 2005. Mesmo assim, diz ele, o resultado do consumo das famílias e do investimento será insuficiente para dar ao PIB um dinamismo maior. Ele projeta alta de apenas 0,7% no terceiro trimestre em relação ao segundo (dado com ajuste sazonal) e de 3,5% em relação a igual período do ano passado.