Título: Quanto custa manter o clima
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2006, Opinião, p. A13

As pessoas que confiantes no livre mercado são extremamente resistentes à idéia de que as mudanças climáticas são provocadas pela ação humana, que dirá aos argumentos em defesa de ações governamentais para conter as emissões de gases que provocam o efeito estufa. Essa resistência é racional? Ou será apenas mais uma instância do desejo humano de acreditar ser verdade o que é apenas conveniente?

Em um aspecto esses céticos estão certos: a hipótese de que as mudanças climáticas são produto da ação humana é atraente para os que acreditam em limites ambientais ao crescimento, nos males do capitalismo e na necessidade de regulamentação governamental. Lord Lawson, ex-ministro das Finanças britânico, coloca bem esse aspecto num recente ataque contra os ativistas ("The Economics and Politics of Climate Change: an Appeal to Reason" - "A Economia e a Política de Mudanças Climáticas: um Apelo à Razão", www.cps.org.uk, novembro de 2006). Mas o que deveria importar não são as emoções que movem as pessoas nos dois lados do debate, mas se os argumentos apresentados são convincentes.

Os céticos acrescentam que a argumentação científica usada para justificar a hipótese do aquecimento provocado pelo homem é errônea. Alguns chegam ao ponto de afirmar que trata-se de uma fraude, e nesse caso a maior e, possivelmente, a mais cara em todos os tempos. Realmente, o conhecimento científico é sempre provisório.

Mas freqüentemente revelou-se que as pessoas que atacam consensos emergentes estavam comprovadamente errados: até mesmo Albert Einstein estava errado sobre a mecânica quântica. No caso do aquecimento mundial, como deixa claro um recente estudo da Royal Society, a robustez do consenso é evidente ("Um Guia sobre Fatos e Ficções sobre as Mudanças Climáticas", www.royalsoc.ac.uk). Apostar tudo na premissa de que a hipótese é falsa seria irracional.

Os céticos acrescentam que o relatório Stern exagerou imensamente os custos da não contenção das mudanças climáticas. O dinamarquês Bjorn Lomborg, o "ambientalista cético", argumentou no Wall Street Journal (2 de novembro de 2006) que William Nordhaus, da Universidade Yale, o mais respeitado economista nessa área, estima os custos em apenas 3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Então, indagou Lomborg, como é que o relatório Stern chegou a custos de de até 20%?

A resposta, como Nicholas explicou no Financial Times (7 de novembro de 2006) é tripla: em primeiro lugar, seu relatório leva em conta possíveis aumentos nas temperaturas médias de 5° C ou mais no século XXII; segundo, ele considera um amplo leque de cenários resultantes possíveis e apóia-se em aversão a riscos; por fim, o relatório inclui estimativas aproximadas do equivalente monetário de impactos sobre a saúde e ambientais. Essas mudanças elevam substancialmente os custos no século XXII.

Os críticos também argumentam que o relatório subestimou exageradamente os custos da redução do acúmulo de "gases-estufa". A afirmação central do relatório refere-se a um custo relativamente pequeno, de apenas 1% do PIB, embora numa faixa de -1% (um ganho) a 3,3%, ou US$ -50 até US$ 100 por tonelada de dióxido de carbono em 2050. Aprender fazendo, por um lado, e inovações, de outro, reduzem sistematicamente os custos. Por isso, os aperfeiçoamentos já obtidos em eficiência energética foram grandes. Ninguém acredita que eles já foram esgotados.

Nesse ponto, os críticos levantam a mais difícil de todas as questões: a taxa de desconto. Os custos da contenção do acúmulo de emissões acontece em larga medida no século XXI, ao passo que seus benefícios são adiados, em sua maioria, até o século XXII. Assim sendo, como relacionamos os custos e benefícios?

-------------------------------------------------------------------------------- Os custos da contenção do acúmulo de emissões acontece em larga medida no século XXI, ao passo que seus benefícios são adiados até o século XXII --------------------------------------------------------------------------------

Os custos de mercado do capital, por exemplo, refletem possivelmente decisões míopes de nossa geração. Da mesma forma, a meta de retorno social sobre o capital para projetos usuais de investimento público é definida para assegurar a eficiência de um projeto marginal. Mas decidir sobre o estado do mundo daqui a 100 anos ou mais não é um projeto usual. A teoria padrão sugere que precisamos, em vez disso, determinar três coisas: uma taxa pura de preferência temporal; a natureza da relação entre mudanças de consumo e bem-estar; e a taxa esperada de crescimento do consumo.

O relatório Stern sugere, convincentemente, não existirem razões persuasivas para valorar o bem-estar de gerações futuras como muito abaixo do nosso. A única razão para fazê-lo, argumenta o relatório, é a possibilidade de extinção da vida. Nessa medida, sugere o estudo, a taxa pura de preferência temporal deveria ser de 0,1% ao ano.

O relatório considera, além disso, que dobrar o consumo reduz à metade o valor marginal (a denominada "elasticidade unitária"). Se assumirmos uma taxa de crescimento do consumo de 1,5% ao ano, a taxa de desconto seria, então, de apenas 1,6% ao ano. Com um crescimento de 2% no consumo, a taxa seria igual a 2,1%.

Tendo em vista que a taxa de crescimento do consumo é ela própria afetada pelo cenário de contenção das emissões, não é exatamente essa a abordagem assumida no relatório. Em vez disso, o estudo faz uma comparação direta entre o bem-estar em todos os cenários. A conclusão é que o denominado "equivalente de crescimento equilibrado" dos prejuízos causados pela atitude "nada mudar" resulta entre 5% e 20% do consumo.

Agora suponhamos seja apresentada a objeção, como fazem os críticos, de que essas taxas de desconto assumidas sejam excessivamente baixas. A implicação é que deveríamos nos preocupar menos com o impacto das mudanças climáticas no padrão de vida das gerações futuras porque a expectativa é de que elas serão muitíssimo mais ricas do que somos hoje. Esse, naturalmente, é um "juízo distributivo". Dele decorre que deveríamos nos preocupar muito mais com a distribuição de renda em todo o mundo, hoje, do que fazemos. Eu me pergunto quantos céticos aceitam esse corolário? Suponho que poucos, se é que há algum.

O argumento final contra tornar prioritária a questão da mudança climática também é enunciado por Lomborg. Trata-se do ponto de vista segundo o qual gastar apenas US$ 75 bilhões por ano (0,2% da renda mundial) poderia proporcionar agora a todo o mundo água potável, saneamento, sistema básico de saúde e educação. De acordo com seu "Consenso de Copenhague", isso, sugere ele, é uma prioridade muito maior do que reduzir os riscos remotos das mudança climáticas.

Eu concordo. Mas por que seria essa a alternativa? A questão não é se enfrentar as mudanças climáticas (a um custo, segundo a estimativa do relatório, de US$ 450 bilhões por ano) seria menos valioso do que eliminar a pobreza. Em vez disso, o que devemos nos perguntar é se conter a mudança climática é algo menos valioso do que todas as outras coisas que fazemos com nossos recursos? Não creio.

Alguns dos argumentos dos críticos, especialmente quanto às taxas de desconto, são ponderáveis. Mas os baixos custos estimados para reduzir as emissões justificam nossa ação. Concordo com que a redução dos riscos das mudanças climáticas não deveria ser empreendida independentemente dos custos. Mas trata-se, mesmo assim, de um objetivo sensato. As autoridades governamentais em todo o mundo deveriam tentar identificar os verdadeiros custos da redução desses riscos, impondo um imposto mundial sobre emissões de dióxido de carbono. Ousarão eles fazê-lo? Eu duvido.