Título: Investimento de países pobres em biotecnologia começa a dar retorno
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2004, Empresas &, p. B2

A igualdade aplica-se cada vez mais na biotecnologia, argumenta um estudo que acaba de ser publicado na "Nature Biotechnology" por um grupo da Universidade de Toronto, no Canadá. O estudo analisa a situação da biotecnologia medicinal em seis países em desenvolvimento - Brasil, China, Cuba, Egito, Índia e África do Sul - e um recentemente industrializado, a Coréia do Sul, para entender o que é preciso para se construir um setor de biotecnologia saudável. Esse desenvolvimento não só é bom para as economias domésticas, diz Peter Singer, diretor do Joint Centre for Bioethics da Universidade de Toronto, como também pode fornecer soluções mais apropriadas e palpáveis para os problemas no combate a doenças características de países pobres e regiões que não são atraentes, ou acessíveis, para os laboratórios ocidentais. Muitos dos países estudados, que começaram a investir em biotecnologia nos anos 80, começam a colher os frutos de seu trabalho. O número de publicações científicas sobre biotecnologia da saúde editadas por pesquisadores no Brasil e Cuba, por exemplo, mais do que triplicou entre 1991 e 2002. A produção da China cresceu espantosas sete vezes. Parte dessas pesquisas são muito avançadas. A China está fazendo seu nome em genoma, geneterapia e pesquisas com células-tronco, atraindo de volta pesquisadores emigrados com a promessa de recursos e instalações. Essas pesquisas de alta tecnologia podem parecer distantes das necessidades das populações pobres, que morrem devido à falta da vacinas e outros avanços básicos. Mas o estudo constatou que os países pesquisados também estão tomando a liderança na pesquisa dos problemas locais. Cientistas brasileiros, por exemplo, publicam amplos estudos sobre males tropicais como a doença de Chagas. Além da pesquisa pura, e mais no campo do desenvolvimento, China e Índia vêm obtendo cada vez mais sucesso em patentear nos Estados Unidos suas descobertas biotecnológicas. Trata-se de uma medida do quanto o trabalho desses países se tornou inovador desde o começo dos anos 90, quando essas recompensas eram quase inexistentes.

Que isso ainda esteja muito longe das milhares de patentes na área de biotecnologia da saúde obtidas pelos americanos a cada ano, não surpreende. Grande parte da indústria biotecnológica do mundo em desenvolvimento é baseada na cópia de inovações ocidentais. Mas a fabricação genérica pode ser um trampolim para atividades mais inovadoras. As companhias farmacêuticas da Índia estão tendo um papel importante no combate mundial à Aids, com a venda de genéricos de medicamentos anti-retrovirais por uma fração do preço cobrado pelos seus inventores ocidentais no mundo desenvolvido. Mesmo assim uma delas, a Ranbaxy, com sede em Nova Delhi, também vem realizando pesquisas e desenvolvimento originais, e já assinou acordos com companhias farmacêuticas ocidentais, entre elas a GlaxoSmithKline (GSK). Ainda não é certo se uma mudança para a descoberta de medicamentos também vai significar que tais companhias terão um interesse menor em combater doenças de países pobres; e isso certamente é uma preocupação para os ativistas da saúde. Esses ativistas também não estão nada satisfeitos com a possibilidade de introdução de leis de patentes mais restritas em muitos países no ano que vem. Como país-membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Índia deverá promover emendas em sua legislação para reconhecer patentes de produtos farmacêuticos. Isso é uma boa notícia para a indústria biotecnológica, uma vez que a proteção de patentes deverá encorajar os investimentos estrangeiros e a transferência de tecnologia. Ainda assim, ativistas da saúde cercaram o parlamento indiano na semana passada em protesto contra as emendas na legislação. As novas leis não deverão afetar a produção atual da maior parte dos medicamentos anti-HIV das companhias indianas, segundo Ellen´t Hoen, uma especialista em política da organização Médicos Sem Fronteiras, mas ela teme que uma nova lei venha a restringir a capacidade dessas companhias de produzir cópias baratas de novos medicamentos para o combate à Aids, câncer e outras doenças. Isso poderia atrapalhar futuros tratamentos no mundo em desenvolvimento. Há muitos outros obstáculos que os países estudados no relatório precisam superar, antes que seus setores biotecnológicos floresçam plenamente. O Brasil precisa de melhores laços entre o mundo acadêmico e a indústria. Os biotecnólogos do Egito carecem de dinheiro do governo e de fontes privadas. O sistema regulador da Índia está tornando lento o desenvolvimento de produtos. A África do Sul precisa se esforçar mais para reverter uma fuga de cérebros e treinar mais pesquisadores para reforçar suas fileiras. O sucesso na biotecnologia é formado por vários componentes, incluindo um forte compromisso político, financiamentos firmes de longo prazo e sistemas educacionais e de saúde sólidos. Mas segundo Abdallah Daar, colega do doutor Peter Singer, o verdadeiro truque para os países em desenvolvimento é o foco em seus recursos limitados. Eles precisam identificar um nicho particular que lhes permitam suprir as necessidades de saúde locais através da biotecnologia, e então construir a infraestrutura necessária ao redor disso, ao invés de atirar em todas as direções. Apesar de todos os seus problemas políticos e econômicos, Cuba, por exemplo, criou um setor de biotecnologia reconhecido internacionalmente, a partir do desenvolvimento anterior de uma inovadora vacina contra a meningite. A África do Sul está organizando seu avanço na biotecnologia através de colaborações internacionais para produzir uma vacina contra a Aids para o tipo de HIV que atinge mais duramente a África. O país também está estimulando a medicina tradicional a trabalhar a serviço da biotecnologia. Uma molécula isolada por cientistas sul-africanos a partir de uma planta suculenta local (que é tradicionalmente mascada por certas tribos para controlar a fome e a sede) foi licenciada para uma empresa de biotecnologia britânica, para o seu desenvolvimento como um tratamento anti-obesidade. Há também muito espaço para que os países pobres trabalhem uns com os outros, e aprendam uns com os outros. No mês passado, cientistas de 11 países asiáticos formaram um consórcio para estudar as variações genéticas de suas populações. Em outro ponto do globo, a Heber Biotec, uma empresa cubana, está trabalhando com companhias da Índia e da Malásia na fabricação e comercialização de produtos de biotecnologia. Os países ricos também deveriam prestar mais atenção. O doutor Peter Singer afirma que os doadores fariam bem em considerar investimentos em biotecnologia, e encorajar suas firmas privadas a estabelecerem parcerias com centros de pesquisa em países mais pobres, como parte de seus pacotes de ajuda internacional. Uns poucos países, como o Canadá e o Reino Unido, estão dando mais ênfase na ciência em seus projetos de assistência externa, mas ainda há espaço para desenvolvimentos. Para os países mais pobres, um pouquinho de biotecnologia poderá ser exatamente o que o médico receitou.