Título: Afinal, a que ritmo cresce a massa de rendimentos?
Autor: Sampaio, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2007, Opinião, p. A20

As informações sobre a evolução conjuntural do mercado de trabalho no Brasil padecem de variadas limitações. Este artigo comenta algumas delas e aponta contrastes entre as informações geradas por diferentes levantamentos a respeito dos meses iniciais de 2007.

Cabe precisar a que nos referimos quando falamos na massa de rendimentos. Trata-se do volume de recursos que as pessoas que têm uma ocupação - tenha essa ocupação um registro formal ou não, esteja a pessoa subordinada ou não a um empregador - recebem como contrapartida a seu trabalho. É intuitivo que as variações desse volume de recursos, num dado período de tempo, dependem da variação do número de pessoas ocupadas, assim como da variação do rendimento que, em média, cada uma dessas pessoas recebe.

O ritmo de expansão da massa de rendimentos é um elemento central a condicionar as perspectivas da atividade econômica e da inflação, por seu impacto direto sobre o dinamismo do consumo e de outros gastos das famílias (como aqueles relacionados a reforma, construção ou aquisição de moradia).

Aos gestores públicos interessa esmiuçar como vem evoluindo a massa de rendimentos, para orientar suas políticas. Também as decisões empresariais se beneficiam quando contam com o suporte de uma análise fundamentada da evolução e das perspectivas do poder de compra dos consumidores (análise que deve levar em conta também outros elementos, como os rendimentos não ligados ao trabalho - benefícios previdenciários; transferências governamentais, como o Bolsa Família etc. - e o crédito).

A tabela abaixo sintetiza os resultados dos principais levantamentos relativos ao desempenho do mercado de trabalho brasileiro nos primeiros meses deste ano. Antes de comentar certos contrastes entre os resultados, é preciso lembrar de algumas de suas limitações.

A principal limitação é geográfica: tanto a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) Metropolitana, de periodicidade também mensal e elaborada por um conjunto de instituições que segue a metodologia do convênio Seade/Dieese, restringem-se a regiões metropolitanas.

As diferenças de metodologia entre a PME e a PED são conhecidas (conduzem, por exemplo, a estimativas tradicionalmente discrepantes em relação ao nível da taxa de desocupação). Além dessas diferenças conceituais, a comparabilidade entre os resultados das pesquisas é prejudicada pelo fato de que elas abarcam conjuntos não coincidentes de regiões metropolitanas. São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Porta Alegre e Recife são examinadas pelas duas pesquisas, mas só a PME investiga o Rio de Janeiro, e apenas a PED, o Distrito Federal

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A outra fonte fundamental de informações mensais sobre o mercado de trabalho é o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), registro administrativo do Ministério do Trabalho e Emprego. Este indicador, ao compilar o saldo entre admissões e demissões formalizadas pelo ministério no país todo, restringe-se ao segmento formal do mercado de trabalho e nada apura a respeito dos rendimentos.

Essa limitação é da natureza do Caged. O levantamento tem, porém, outro problema: não se tem divulgado quantos dos registros formais realizados a cada mês deveram-se à formalização de vagas de trabalho pré-existentes, o que prejudica a qualidade da informação.

Nenhum dos levantamentos disponíveis tem, portanto, suficiente abrangência geográfica ou escopo qualitativo para fornecer, por si, um retrato claro do desempenho recente do mercado de trabalho. Para limitar a precariedade de sua avaliação o analista precisa cotejar cuidadosamente um amplo conjunto de informações parciais.

Examinemos os resultados reunidos na tabela. Uma primeira conclusão desponta: as fontes convergem em apontar expansão da ocupação pouco inferior a 3% - mas no caso das ocupações formais o ritmo de crescimento apurado diverge em proporção não-desprezível.

Passemos ao rendimento médio real e à massa real de rendimentos. Aqui esbarramos em dificuldades de dois tipos. Primeiro, o IBGE passou a divulgar recentemente um novo resultado da PME: a variação "efetiva" da massa real de rendimentos, que na comparação entre janeiro-abril de 2007 e o período homólogo de 2006 apresentou elevação de 6,6% (resultado bem próximo aos 6,4% calculados pela PED). Esse resultado contrasta, no entanto, com os 7,9% que se inferem ao multiplicar os dados de variação da ocupação e de variação do rendimento médio estimados pelo mesmo IBGE. Aguarda-se a divulgação de esclarecimentos a respeito das razões desse contraste.

A segunda dificuldade diz respeito ao ritmo de elevação do rendimento médio real. A PME aponta elevação de 4,9% no primeiro quadrimestre, mas ao dividir a variação da massa real de rendimentos "efetiva" pela variação da ocupação infere-se uma elevação mais modesta, de 3,6% - número similar àquele calculado pela PED.

E aqui há um outro porém: mesmo esses 3,6% contrastam com os resultados dos dissídios salariais. O "Balanço das negociações dos reajustes salariais em 2006", do Dieese, apurou que apenas 11,6% dos dissídios firmados em 2006 proporcionaram aos trabalhadores aumento real (para além da elevação do INPC) de mais de 3%. Sabendo-se que os trabalhadores sindicalizados costumam ter maior poder de barganha que os demais, esse resultado sugere que os rendimentos - e portanto a massa de rendimentos - podem estar se elevando menos do que a PME e a PED têm apurado.

Fernando Sampaio, economista, é sócio-diretor da LCA Consultores.