Título: Têxteis e confecções: as versões e os fatos
Autor: Pimentel, Fernando V.
Fonte: Valor Econômico, 03/07/2007, Opinião, p. A14

Inicio este artigo com uma assertiva que reflete um fato real: a cadeia produtiva brasileira de têxteis e confeccionados é competitiva e portadora de futuro. A despeito de todas as dificuldades que têm sido impostas aos setores produtivos intensivos em mão-de-obra e insumos nacionais, como é a indústria têxtil e de confecções, esta tem sido capaz de superar os desafios que lhe são colocados mesmo diante de um cenário de profundo desequilíbrio concorrencial com seus competidores mundiais. Nos últimos dois anos a indústria tem suportado tempos difíceis, face ao baixo crescimento da economia e a forte apreciação cambial, fruto, em grande parte, da prática continuada das mais altas taxas de juros no mundo. Enquanto isto, os principais concorrentes mundiais têm mantido suas moedas depreciadas ao mesmo tempo em que concedem vantagens aos seus produtores e têm uma visão estratégica do setor têxtil e de confecções para seu desenvolvimento e geração de emprego e renda. O setor têxtil não é órfão do câmbio ou da abertura. É, sim, pai do emprego , da produção e tem a competição intensa no seu DNA. O setor não demanda favores, mas sim, e fundamentalmente, isonomia competitiva, legalidade no comércio e a realização de acordos de acesso aos principais mercados consumidores mundiais. Hoje, os têxteis e confeccionados brasileiros não têm as vantagens macroeconômicas dos países asiáticos e nem o acesso preferencial aos grandes mercados, como têm países que concorrem com eles na América Latina e também na Europa. Listo, abaixo, informações importantes para elucidar o leitor quanto a realidade do Setor Têxtil e de Confecção no Brasil.

1) A indústria têxtil e de confecção do Brasil é a sétima do mundo em termos de tamanho e importância (International Textile Manufacturers Federation - ITMF); 2) O setor reúne mais de 30 mil empresas disputando os mercados nacional e internacional; 3) São mais de 1,6 milhão de trabalhadores e, com base na relação de faturamento e emprego do BNDES, são cerca de 10 milhões de empregos (diretos, indiretos e pelo efeito renda) atrelados a esta atividade produtiva; 4) Esse setor representa 17% da produção da indústria de transformação e é o segundo maior empregador deste segmento; 5) Ao longo dos últimos 10 anos, essa indústria investiu mais de US$ 10 bilhões em máquinas, equipamentos, instalações, treinamento e pesquisa; 6) O Brasil possui 70 escolas de moda e design, além de 12 universidades e faculdades formando profissionais de nível superior e pós, que desenvolvem avançadas pesquisas tecnológicas, inclusive nanotecnologia; 7) 70% da mão-de-obra empregada é feminina, com mais de 40% dela chefiando famílias; 8) De 1999 até o ano de 2005 as vendas externas dobraram passando de U$ 1,01 bi para US$ 2,2 bi com superávits crescentes na balança comercial, o qual alcançou US$ 684 mi em 2005 (Sistema Alice/ MDIC); 9) No ano passado, a balança inverteu-se passando a deficitária em US$ 60 milhões . Difícil acreditar que o setor tenha desaprendido a produzir, criar e vender num espaço de 12 meses; 10) O mercado mundial movimenta cerca de US$ 500 bi por ano em transações do setor, com perspectiva de chegar a US$ 800 bi nos próximos oito anos; 11) O líder desse mercado é a China que mantém sua moeda desvalorizada frente ao dólar e concede uma série de subsídios aos seus produtores; 12) Há indícios de ilegalidade nas importações têxteis e de confeccionados no Brasil quando compara-se os preços dos produtos que chegam no nosso país com os que são praticados na Argentina e nos EUA . Enquanto nestes países o preço médio do vestuário importado situa-se em torno de US$ 16,00, no Brasil temos tido preços da ordem de US$ 8,5 kg. Nem somos melhores compradores do que os norte-americanos e nem compramos mercadorias com 50% da qualidade dos produtos que compram os argentinos. Além da questão do preço temos tido discrepâncias constantes, da ordem de 50%, entre as quantidades embarcadas para o Brasil de vestuário vis-a-vis os registros de chegada de mercadorias no nosso país. 13) Em quase 13 anos de circulação do real, a inflação do setor, medida pela Fipe, foi de 15% contra mais de 170% da inflação geral e 375% da energia elétrica, um dos principais insumos de produção para as fiações e tecelagens. Ou seja, o setor não só investiu muito, e continua investindo, como transferiu os benefícios para a sociedade. Somente uma indústria muito competente seria capaz de tal feito.

-------------------------------------------------------------------------------- O setor não demanda favores e benefícios especiais, os quais nunca teve, mas sim isonomia competitiva --------------------------------------------------------------------------------

Recentemente , quando do anúncio por parte do governo da elevação da TEC do vestuário de 20% para 35% (tarifa esta já praticada para outros setores industriais), foram feitos comentários no sentido de que este tipo de medida seria um retrocesso na política comercial brasileira. Na realidade, esta decisão, acertadíssima, veio somente compensar, em pequena escala, as desvantagens concorrenciais macroeconômicas a que estão submetidos os trabalhadores e empresários brasileiros. Alguns liberais de plantão afirmaram que a sociedade é que pagaria a conta através de preços mais elevados. Nada mais diferente do que mostra a realidade de quase 13 anos do real onde o setor funcionou como a verdadeira âncora da inflação.

Finalizo dizendo que o setor não demanda favores e benefícios especiais, os quais nunca teve, mas sim isonomia competitiva . Esta indústria, mais do que centenária, tradicional, porém moderna, que tem se expandido pelo mundo, é capaz de gerar milhares de postos de trabalho, desde que possa produzir de forma comparável aos seus concorrentes. O Setor Têxtil e de Confecções brasileiro tem tudo para ficar entre os cinco maiores do planeta, realizar ainda mais investimentos e receber investimentos internacionais de vulto, na medida em que sejam desonerados os custos da produção, sejam feitos os acordos com os grandes blocos consumidores do mundo e que continue o combate implacável às práticas desleais e ilegais no comércio internacional . Estes são os fatos. As versões são variadas, mas carecem de substância nas análises que tenho lido ultimamente.

Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT).