Título: A posse de vários olhares
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 01/01/2011, Política, p. 3

Dilma quebra hoje outro tabu. Com a ajuda da tecnologia, sua chegada à Presidência será registrada de forma nunca feita neste país

Nunca antes na história deste país uma posse presidencial será registrada por uma gama tão grande de olhares. Das gigantescas máquinas munidas de filme preto e branco empunhadas na posse de Fernando Collor de Mello, passando pelas também gigantescas ¿ mas já coloridas ¿ câmeras que registraram Fernando Henrique Cardoso subir a rampa do Palácio do Planalto à recém-geração digital que fotografou Luiz Inácio Lula da Silva, em quase 20 anos de democracia, o perfil do brasileiro que vai à Esplanada dos Ministérios saudar o novo presidente mudou muito. Filmadoras e câmeras digitais, Ipads, smartphones. Tudo isso formando uma imensa rede multimídia de tempo real, registrando cada segundo da posse de Dilma Rousseff.

Ao receber a faixa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma estará estabelecendo alguns marcos históricos. Além de ser a primeira mulher conduzida ao posto de presidente do Brasil, Dilma, na cerimônia, inaugurará a era do domínio da memória digital. Em 2003, quando Lula foi eleito, o militante e fundador do PT Luiz Settineri, o Saroba, foi para a Esplanada levando sua velha máquina e uma bolsa cheia de filmes. Ele perdeu a posse de 2008, mas, neste ano, deixou Cuiabá (MT) ¿ em companhia da mulher, Hilda Suzana Veiga, ¿ com um arsenal na bagagem: máquina fotográfica e câmera digital, laptop, gravador digital e smartphones preparados para tuitar durante a posse. ¿Em 2003, eu tinha uma câmera de filme e mandava revelar depois. De cinco filmes, dava para aproveitar três fotos, 95% tremia¿, reclama.

De 2008 para cá, o casal descobriu o poder dos blogs e já abastecem os diários eletrônicos com informações dos preparativos da posse de Dilma desde que chegaram a Brasília, no último dia 27. Blogueiros de todo país se preparam para fazer o que chamam de ¿cobertura colaborativa¿ da cerimônia de transição. Sessenta internautas marcaram encontro no aeroporto de Brasília para dividirem a cobertura alternativa com direito a todas as ferramentas digitais disponíveis.

Marcas das gerações

A história contada pela participação popular nas posses marca gerações, culturas e tribos. Quando um atlético Collor subiu a rampa, repetindo gestos como o punho cerrado e o V da vitória, a multidão que o saudava na Esplanada ainda era composta por cidadãos que não associavam as colorações partidárias ao verde amarelo da bandeira. O acesso a equipamentos de som e imagem era restrito aos ricos. E, para muitos, a única forma de lembrar o evento era guardar os recortes dos jornais publicados no dia seguinte. O comportamento do brasileiro na festa também era diferente. O patriotismo herdado do governo militar ainda estava presente na manifestação do povo, que não arriscava mais do que faixas com a cor da bandeira e dizeres associados ao lema Ordem e Progresso. No vestuário de homens e mulheres, o azul marinho predominava. As gravatas estreitas das autoridades e o chamado tailleur trespassado ditava moda entre a elite.

Com pouco povo na rua e orçamento de R$ 3 milhões, a posse de Fernando Henrique Cardoso não fez sucesso na Esplanada e o ponto alto da festa foi a recepção no Itamaraty. A escolha do preto, pelos homens da política, e de vestidos coloridos e decotados suplantou a seriedade do vestuário registrado na posse de Collor. Nas ruas, servidores públicos ensaiaram manifestação de apoio ao novo presidente empunhando bandeiras e faixas verde e amarela. A movimentação dos militantes era conferida com atenção pela polícia. O show ¿popular¿ oferecido ao público que foi ver a posse tinha lista de artistas como Hermeto Paschoal, grupo de chorinho e apresentação da Escola de Música de Brasília. Os poucos petistas que arriscaram manifestação na Esplanada foram duramente vaiados.

Tudo muito diferente da posse de Lula, em 2003. No lugar do verde e amarelo, o vermelho tomou conta das ruas. O repertório clássico deu lugar aos shows do pagodeiro Zeca Pagodinho e dos sertanejos Zezé di Camargo e Luciano. Posse com jeito de povo. Os petistas que antes eram tratados como o foco das arruaças na Esplanada ganharam protagonismo. A popularização das máquinas de estamparia proporcionou uma chuva de camisetas comemorativas da posse. Faixas de adeus a Fernando Henrique também ganharam registro histórico das lentes.

O perfil mais tecnológico dos brasileiros que saudarão a nova presidente na Esplanada reflete também a diversidade cultural abrigada pela internet. Para marcar a vitória de gênero que representa a eleição de uma mulher ao mais alto cargo público do país, os organizadores da festa popular escolheram cantoras para embalar o público. Mart¿nália, Fernanda Takai, Zélia Duncan e Elba Ramalho farão a festa popular, oferecendo opções a todos os gostos, do samba ao rock, passando pelo forró nordestino.

Em 2003, eu tinha uma câmera de filme e mandava revelar depois. De cinco filmes, dava para aproveitar três fotos, 95% tremia¿ Luiz Settineri, militante do PT