Título: Sugestões para Doha dividem setor privado brasileiro
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 18/07/2007, Especial, p. A12

O setor privado brasileiro está dividido em relação aos textos apresentados ontem pelos mediadores das negociações agrícola e industrial da Organização Mundial de Comércio (OMC). Os agricultores estão satisfeitos, enquanto as indústrias reclamam que foram submetidas a uma forte pressão. Poucos setores descartaram os documentos, já que pode ser uma das últimas chances de salvar a Rodada Doha.

"É um momento de ter realismo. Embora esteja aquém do que nós pretendíamos, é um passo importante", diz Antonio Donizeti Beraldo, chefe do departamento de comércio exterior da Confederação de Agricultura do Brasil (CNA). "Não é o ideal, mas não pode ser refutado", afirma Cinthia Cabral da Costa, pesquisadora sênior do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).

Os representantes da agricultura consideraram positiva a proposta do mediador de baixar os subsídios agrícolas americanos para algo entre US$ 12,9 bilhões e US$ 16,2 bilhões. O valor está acima dos US$ 12 bilhões solicitados pelo G-20, grupo de países em desenvolvimento, que pede o fim dos subsídios agrícolas, mas abaixo dos US$ 17 bilhões admitidos informalmente pelos EUA. "O G-20 já admitiu que um patamar razoável está em torno de US$ 15 bilhões", diz Beraldo.

Para os cortes das tarifas agrícolas da União Européia, a proposta praticamente atinge as ambições do G-20, e é bem superior ao oferecido pelos europeus. Os países em desenvolvimento pediam um corte de 75%, a UE oferecia 50%, e o mediador sugeriu entre 66% e 73%. Cinthia, do Icone, ressalta que agora é preciso uma análise mais cuidadosa para melhorar as propostas.

Se o pacote agrícola agradou, as exigências feitas para a abertura do setor industrial deixaram os empresários preocupados. Os representantes da indústria avaliam que as exigências são fortes, mas reconhecem que os papéis possibilitam retomar as negociações. A sugestão do mediador da negociação industrial é utilizar fórmula Suíça com coeficiente entre 19 e 23. Para o Brasil, a coeficiente 23 significaria um corte real das tarifas aplicadas pelo país de 4,9 mil produtos. O coeficiente 25, flexibilização máxima sugerida informalmente pelo país, representaria um corte de 3,4 mil tarifas.

"A pressão de abertura sobre a indústria é muito grande", diz Soraya Rosar, coordenadora da área de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ela ressalta que o mês de agosto será de muito trabalho para analisar os detalhes da proposta e o equilíbrio entre agricultura e indústria. "Esses papéis dão um fôlego as negociações, mas não é o que nós queríamos", afirma.

"Sempre quisemos uma negociação ambiciosa e equilibrada. Não vamos descartar nada de pronto. Negociação é diálogo", diz Roberto Gianetti da Fonseca, diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Decex/Fiesp). Segundo ele, a entidade vai avaliar a equivalência com a oferta agrícola e os prejuízos para o setor industrial. Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto do Decex, diz que a primeira avaliação é que o coeficiente 23 é "muito ambicioso".

Na indústria, os setores mais prejudicados pelos cortes das tarifas estão reclamando. "O coeficiente 25 já era uma loucura", diz Mário Branco, gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Ele explica que, se essa proposta fosse aceita, 799 produtos do setor elétrico e eletrônico sofreriam um corte real de tarifas de importação. O coeficiente 25 significaria um corte de 570 itens, enquanto o coeficiente 30 atingiria 370.

"É um risco enorme de desindustrialização para o país", diz Branco. Ele explica que, mesmo as flexibilidades previstas pela negociação não seriam suficiente para aliviar a pressão sobre o setor. Se o setor elétrico e eletrônico conseguisse reduzir menos as tarifas de 10% de seus produtos, como foi sinalizado pelos negociadores, significariam apenas 120 produtos.

No setor têxtil, o Brasil está tentando aprovar no Mercosul um aumento da tarifa de importação para 35%, máximo permitido pela OMC. Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), afirma que o setor continua mantendo a proposta de aceitar apenas o coeficiente 30.

O empresário ressalta, no entanto, que considera a negociação multilateral muito complicada. "A apresentação desses papéis foi apenas um movimento natural da OMC. Não vejo qualquer avanço em relação as posições dos países, que continuam emperradas", diz. O setor têxtil teme a abertura para o mercado asiático na negociação multilateral e defende que o Brasil se concentre em acordos bilaterais com países ricos, como Estados Unidos e União Européia.