Título: A evolução e reforma do direito concursal
Autor: Newton de Lucca
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Uma das reformas mais esperadas no país, sem sombra de dúvida, é a que diz respeito à substituição da atual lei falimentar brasileira - o Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 - por uma nova disciplina normativa mais adaptada à realidade empresarial dos nossos dias. Esse nosso velho decreto-lei, independentemente de seus inegáveis méritos, vem apresentando numerosos problemas já de há muito, podendo ser destacados os seguintes, segundo entendimento predominante na doutrina: 1) Não pôde ele refletir, em razão da época em que veio a lume, as conseqüências sócio-econômicas que o segundo conflito mundial provocou nas diversas economias do mundo; 2) Dirigiu-se fundamentalmente para o comerciante individual, descurando, quase completamente, da importância da empresa, enquanto atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços; 3) Não fez, pelo mesmo motivo do momento histórico em que foi editado, a necessária distinção entre empresário e empresa, estabelecendo um esquema repressivo em relação ao primeiro, o que trouxe conseqüências desastrosas para a segunda, enquanto instituição social, com múltiplos interesses a serem preservados. As disposições constantes dos artigos 140, inciso III, e 111 do texto legal são suficientes para demonstrar, por si sós, a evidência de tal assertiva; 4) Voltou-se, excessivamente, para regular a situação obrigacional entre devedores e credores, exacerbando-se num processualismo tal que os formalismos estéreis e inconseqüentes culminaram por obnubilar quase que inteiramente a realidade econômica, de sorte que o próprio fim da lei - realização do direito dos credores - não logrou ser atingido; 5) Subsistiu, na lei falimentar brasileira, em conseqüência das concepções anteriores, uma finalidade liquidatório-solutória que é indisfarçável e que só deveria existir nos casos de completa inviabilidade da atividade empresarial. Exemplo: o sistema da impontualidade e não o da insolvência (artigo 1º e artigo 11, parágrafo 2º). A jurisprudência afirmou, inocuamente, que o processo falimentar não se constitui meio de cobrança, mas é assim que tem sido; e 6) Subsistiram, igualmente, excessivos privilégios estabelecidos em favor do fisco, de tal sorte que nem mesmo os credores com garantia real sentem-se seguros no momento de concordarem com a concessão do crédito. O clamor doutrinário - desde a década de 60 do século passado - foi praticamente unânime no sentido de que se fazia necessária a reforma de nosso direito falimentar. Mas foi ele absolutamente inútil. E nem poderia ser de outra forma. Nossa doutrina jurídica, em que pesem os grandes nomes que a engalanaram e a engrandecem até hoje, nunca teve o condão de influir decisivamente nos movimentos reformistas de qualquer espécie. Sempre foram outros interesses mais fortes, muito bem representados pelas oligarquias dominantes, que determinaram a permanência ou a mudança de uma determinada disciplina normativa.

O Brasil está diante de uma perspectiva concreta de tratar a patologia das finanças de uma empresa de maneira pragmática

Finalmente, agora, depois de tantas tentativas destinadas ao insucesso, o Brasil está diante de uma perspectiva concreta de tratar a patologia das finanças de uma empresa de maneira mais pragmática, procurando, sempre que possível, evitar o desaparecimento de uma unidade produtiva. Claro está que uma nova Lei de Falências, independentemente de seus méritos e desacertos, sempre provocará acaloradas discussões, pois ela regulará os mais evidentes conflitos de interesses entre credores de um lado e interesses dos devedores de outro. Nesse sentido, parece de todo recomendável a ponderação de que a solução adequada deve ser a busca do equilíbrio entre esses dois grupos de interesses. Assim, a despeito desse dualismo inevitável com que se depara o legislador atual (proteger o interesse dos trabalhadores ou o interesse das instituições financeiras), e das várias questões polêmicas que um novo texto legal inevitavelmente desperta, é certo que a nossa atual concordata, que tem apresentado resultados bastante pífios na maioria dos casos, encontra um sucedâneo adequado nos novos institutos da recuperação judicial e extrajudicial. Sejam quais forem os problemas do novo texto - e eles existem, efetivamente -, o fato é que a reforma do direito concursal brasileiro é mais do que necessária e já chega, na verdade, muito serodiamente. De toda sorte, esse novo texto será o ponto de partida para revigorar as reflexões sobre uma das áreas mais descuidadas da legislação empresarial brasileira.