Título: Bancos vendem cartão de forma errada à baixa renda, diz pesquisa
Autor: Silva Júnior, Altamiro
Fonte: Valor Econômico, 30/07/2007, Finanças, p. C10

Os bancos estão vendendo cartão de crédito de forma errada para a baixa renda. O segmento se transformou no principal alvo dos bancos após a forte expansão dos plásticos para as classes de maior poder aquisitivo. Um trabalho da MasterCard, porém, mostra que o modelo adotado até agora não é o mais adequado. O resultado é que as pessoas de menor pode aquisitivo estão cheias de cartões que não são usados.

Estima-se que, de cada dez cartões distribuídos para a baixa renda, só dois são usados efetivamente. Quando se parte para classes com melhor remuneração, este número sobe para seis em cada dez. Com isso, os grandes bancos compensam as perdas com os investimentos nas classes mais baixas com altos ganhos com os endinheirados, onde as margens são maiores.

O segmento de baixa renda é prioridade para a MasterCard na América Latina. No ano passado, a bandeira fez a primeira pesquisa para entender o setor. Este ano, resolveu fazer um estudo mais amplo. A idéia não foi entrevistar as pessoas, mas observar diariamente o comportamento das famílias.

A bandeira contratou o Data Popular, instituto especializado no segmento. O objetivo foi pesquisar o dia-a-dia de 15 famílias da classe C, com renda total de R$ 1,6 mil a R$ 2 mil, nos bairros mais afastados da Grande São Paulo. Os pesquisadores ficaram por 15 dias com elas. Os resultados não têm valor científico, na medida em que foram feitas apenas análises a partir das observações, mas vão servir de guia para os negócios no setor.

A principal conclusão é que o modelo criado pelos bancos para vender cartões para os mais endinheirados não se encaixa na baixa renda. "O segmento demanda produtos específicos", afirma Edison Raposo, responsável pelo segmento de baixa renda da MasterCard. "Este modelo precisa ser revisto", completa. A linguagem dos cartões, com termos como crédito rotativo, sequer é entendida pelas pessoas. "Isto já cria uma barreira ao uso do produto", diz Raposo.

Alguns bancos, por exemplo, levam em conta apenas a renda individual para conceder o cartão. Com isso, o plástico é entregue com limite muito baixo. A pesquisa da MasterCard constatou que a renda familiar é mais importante, na medida em que todos os membros da família contribuem com determinados pagamentos. Em algumas famílias, é definido quem compra o que, quando e como será o pagamento. Outro ponto constatado é que, na família, há a renda oficial, vinda do emprego formal, mas existe outra também importante, vinda de bicos e trabalhos esporádicos, que faz com que a renda familiar oscile mês a mês.

A primeira renda é gasta em coisas mais essenciais. A segunda vai para gastos mais supérfluos. "A forma de originação da renda é determinante para o consumo e a oscilação compromete o relacionamento com o sistema financeiro", avalia Raposo.

Os pesquisadores descobriram que as pessoas, em sua maioria, têm emprego formal, acesso à internet, TV a cabo e ainda possuem aparelhos como DVD e computador. Ou seja, um mundo de consumo não constatado pelas análises de crédito. "Os modelos de concessão de empréstimo olham uma coisa e a realidade é outra", afirma.

Entre as soluções possíveis para o setor, seria o cartão com duas (ou mais) datas de vencimento, para fazer face à renda volátil das famílias, por causa dos bicos. Outra seria informar o saldo disponível em relação ao limite, como já acontece com os vales-refeição e alimentação. Com a pesquisa na mão, a MasterCard está apresentado o material aos bancos. Hoje, 15% dos cartões de crédito do mercado (que somam 85 milhões) estão no segmento de baixa renda. Em 2004, não passava dos 10%. O potencial também é grande. Segundo dados da MasterCard Advisors, em pesquisa de 2006, 26% das pessoas da baixa renda pretendiam adquirir um cartão nos próximos 12 meses. Já no resto do mercado esse percentual era de 19%.

O consumo da baixa renda, que movimenta R$ 250 bilhões, supera em 15% o ganho das famílias. Parte disso é financiado pelo crédito, em muitos casos, pelo varejo. A pesquisa constatou que, em muitos casos, primeiro a família procura o varejo para se financiar. Só depois os bancos.