Título: Carta aberta ao amigo Conde
Autor: Alquéres, José Luiz
Fonte: Valor Econômico, 02/08/2007, Opinião, p. A12
Caro Luiz Paulo Conde, os jornais de hoje dão conta de que, superadas as diferenças entre "gregos e goianos" (recomendo, a propósito, a excelente "Carta ao Ministro", de Carlos Drummond de Andrade), a sua indicação para a presidência de Furnas finalmente saiu. Contrariamente a algumas vozes céticas que começam a se manifestar apreensivas, ou mesmo descrentes da sua capacidade de conduzir a empresa, quero desejar as boas-vindas ao nosso setor elétrico e manifestar a minha confiança de que não lhe faltam os talentos necessários para ter sucesso nesta empreitada.
Conheci todos os presidentes de Furnas desde a sua fundação, tendo sido amigo e grande admirador de alguns deles, como John Cotrim, Camillo Penna e Eliseu Rezende. Em épocas diferentes, fui membro do Conselho Fiscal e do Conselho de Administração e, mais tarde, presidente do Conselho de Administração. Participei bastante da vida dessa grande empresa, orgulho do setor elétrico. Posso dividir com você que, ao lado de seus momentos estelares, houve épocas que essa empresa também viveu momentos difíceis, enveredou por caminhos questionáveis e não geriu tão bem quanto devia os seus problemas.
Refletindo sobre o lado brilhante e o menos brilhante da vida das empresas, uma lição emerge para o seu sucesso: é absolutamente essencial que ela seja conduzida por uma diretoria de gente séria, competente e leal ao seu presidente. Isso quer dizer um diretor técnico que conheça profundamente o seu setor e seja isento nas suas decisões, sem privilegiar o fornecedor a ou b, um diretor financeiro que busque as melhores práticas e as menores taxas, um administrativo que não patrocine a companhia de seguros "recomendada" por um padrinho forte ou a empresa de propaganda - tão boa, tão em evidência e tão bem conectada lá em cima.
Lembro a primeira diretoria de Furnas. Cotrim tinha Flávio Lyra na área técnica, uma parceria que, podemos dizer, já vinha de uma geração anterior, um dos grandes engenheiros de projeto e de construção. Na área administrativa e financeira, Benedito Dutra, cujo nome foi dado a um dos prédios da sede de Furnas, talvez um dos mais completos profissionais da engenharia, ético, competente e com um enorme sentido de patriotismo. A hidrelétrica de Furnas foi construída com toda dificuldade e inúmeras vezes atingida por ações hostis provenientes de outras áreas internas de governo. Foi o maior empréstimo já concedido pelo Banco Mundial até aquela data. Mas esse time era competente, capaz e leal, e a ele foram se juntando, ao longo do tempo, Luiz Carlos Barreto na operação do sistema, José Carlos Barata na área financeira e Oswaldo Magon, proveniente do BNDES, na área jurídica. A pressão política contrária era grande e, embora nomeados originalmente por Juscelino Kubitschek, eles foram sobrevivendo a Jânio Quadros e a Jango Goulart. Continuidade amparada pela competência e não por qualquer afinidade no plano político. Na ocasião não se confundiam as coisas.
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Em matéria de experiência empresarial, permita-me dividir aquilo que já passei: você deverá mergulhar nos meandros das leis de S.A, governança corporativa, Lei 8666 e outras. Você tem hoje recursos que lhe facilitarão a tarefa de colocar o interesse da empresa acima de qualquer outro interesse e, nesta época de pregões eletrônicos, Sarbanes-Oxley, GRI (Global Reporting Initiative), Lei de Responsabilidade Fiscal, etc, você terá como descartar - querendo - as pressões indevidas. Pode até lhe custar o cargo, mas eu o conheço o suficiente para saber que a sua motivação é elevada para não se prender por isso.
"A primeira conjectura que uma pessoa faz sobre a inteligência de um governante vem da apreciação dos homens que ele tem em volta, se eles são capazes e leais (...); o maior erro que um governante pode fazer está na escolha de seus ministros". Essa frase, do Príncipe, de Maquiavel, publicado em Roma em 1531, segue mais válida do que nunca. Lembro dela agora a seu propósito, assim como lembro do ceticismo dos quadros da Eletrobrás, onde eu já trabalhava há alguns anos, quando soubemos que o substituto de Mario Bhering, grande engenheiro e orgulho do nosso setor, seria o Antonio Carlos Magalhães, médico, ex-prefeito de Salvador e político baiano.
ACM, todavia, foi um grande presidente da Eletrobrás. Granjeou o respeito da casa e prestigiou uma diretoria de grandes nomes do setor como Leo Penna, Licinio Seabra, José Marcondes Brito de Carvalho e outros que lhe dedicaram respeito e admiração, tendo dele recebido inequívocas provas de apoio. Ele levou de volta para a vida política o conceito de melhor aproveitar a qualidade dos quadros destas empresas e muitos deles foram pessoas destacadas na política nacional e regional: ministros, prefeitos, governadores, senadores.
Caro Conde, boa sorte! Você traz uma bagagem de realizações, de uma origem técnica e empresarial, que já o credenciou para galgar postos na administração pública e, depois, para cargos eletivos como prefeito do Rio de Janeiro e vice-governador do Estado, tendo recebido votações significativas e montando equipes de grande qualidade.
Saiba atrair e conte com o apoio do setor elétrico, que não tem mais um momento a perder. O espectro da falta de energia a preço competitivo nos ronda. Os últimos leilões do setor - inteiramente dominados pela oferta de energia gerada a partir de óleo combustível, energia fóssil e poluidora - mostraram isso. Você tem um exército de gente competente dentro de casa e um Brasil muito carente de energia. Furnas certamente pode fazer mais do que tem feito e me parece que o governo federal vê isso com clareza, tanto que parece não querer privilegiar que ela se foque em apenas um grande projeto, por maior que seja. Precisaremos de muitas usinas hidrelétricas, aportando energia limpa, renovável e a preço competitivo, para que possamos nos relançar num verdadeiro período de aceleração do crescimento. Mãos à obra.
José Luiz Alquéres é diretor-presidente da Light, ex-secretário nacional de Energia e ex-presidente da Eletrobrás.