Título: Risco de prejuízo é grande
Autor: Martins, Victor ; Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 07/01/2011, Economia, p. 11

Presidente do Banco Central alerta para as ameaças de endividamento em dólar e afirma que mercado precisa voltar à realidade

O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, fez um alerta aos que insistem em apostar na alta do real frente ao dólar. Ao justificar as medidas anunciadas ontem pela instituição para conter movimentos especulativos no mercado de câmbio, ele recomendou cautela com o endividamento em dólar, pois o cenário pode mudar. ¿É sempre bom lembrar que uma tendência de curto prazo não vai se prolongar no tempo. Tudo pode mudar¿ disse, em sua primeira entrevista depois de empossado no cargo que lhe foi dado pela presidente Dilma Rousseff.

Para reforçar que o governo não será tolerante com ações que provoquem distorções prejudiciais ao setor produtivo do país ¿ dólar barato afeta as exportações ¿, ele fez questão de frisar, por diversas vezes, o risco de se repetir a crise que quase levou empresas como a Aracruz Celulose e a Sadia à falência no fim de 2008. Elas investiram o que tinham e o que não tinham na valorização do real, mas veio o estouro da bolha imobiliária dos Estados Unidos, os preços do dólar dispararam e o resultado foi um prejuízo gigantesco.

¿O câmbio é flutuante e pode ir para os dois lados. O que foi dito hoje era dito em meados de 2007 e de 2008¿, afirmou.

Tombini destacou que o risco da exposição excessiva ao câmbio voltou novamente a rondar o mercado financeiro. Em dezembro, os bancos apostaram US$ 16,8 bilhões contra o dólar, ou seja, um volume oito vezes superior à média diária de negócios no mercado à vista, de US$ 2 bilhões.

¿O Banco Central entendeu que essa posição vendida estava superdimensionada em relação ao tamanho do mercado. Estamos impondo o compulsório (de US$ 7 bilhões) porque acreditamos que as instituições vão se ajustar e redimensionar suas apostas, ficando mais em linha com a realidade¿, disse. ¿A ação do BC visa o bom funcionamento do mercado de câmbio à vista¿, complementou.

O chefe da política monetária reforçou o que se diz no Palácio do Planalto e no Ministério da Fazenda: a equipe econômica tem à disposição vários mecanismos para conter movimentos especulativos e autorização de Dilma Rousseff para usá-los. Veja a seguir os principais pontos da entrevista do presidente do BC.

Ponto a ponto Alexandre Tombini Hora de prudência As medidas que baixamos hoje (ontem) têm um cunho prudencial e visa redimensionar o tamanho das posições vendidas das instituições financeiras no mercado de câmbio. Em dezembro, quando as posições de cada uma das instituições são somadas, chegava-se a quase US 17 bilhões. Nós temos um mercado à vista no Brasil que gira em torno de US$ 2 bilhões. Então, o Banco Central entendeu que essa posição vendida estava superdimensionada. Por isso, estamos impondo esse compulsório (de US$ 7 bilhões) e acreditamos que as instituições vão se ajustar, vão reduzir, redimensionar a posição vendida, ficando mais em linha com o que é a realidade. As medidas vieram na hora certa.

Dois lados Estamos diante de um ambiente internacional desafiador, porque existe uma ampla liquidez, que tem gerado desdobramentos para as economias emergentes com um grau de abertura financeira maior, como é o caso do Brasil. Uma questão que o BC sempre coloca é cautela. Temos um sistema de câmbio flutuante que funciona bem. Tem sido capaz de absorver choques econômicos ao longo do tempo em diversos cenários. É um dos pilares do arcabouço macroeconômico. Mas o câmbio flutuante requer atenção, pois flutua para os dois lados. O cidadão brasileiro, as empresas brasileiras têm que ter cautela quando assumem compromisso em moeda estrangeira. É bom sempre lembrar que uma tendência de curto prazo não quer dizer que vá se prolongar no tempo. Essa coisa pode mudar. O que foi dito hoje era dito em meados de 2007 e de 2008, e, quando vimos, tivemos um ajuste por questões externas, onde o câmbio mudou rapidamente e o real desvalorizou, pegando muitos participantes da economia desprevenidos.

Exposição ao dólar Em relação às instituições financeiras, a nossa regulação prudencial é bastante rigorosa. Os bancos têm de apartar recursos para se protegerem de eventuais riscos. Temos tranquilidade em relação às instituições, individualmente, mas existem questões de mercado. Nosso objetivo principal é assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda. Estamos trabalhando em um ambiente internacional de extraordinária liquidez. Nós temos que ter cuidado. Da mesma forma que o ambiente é amplamente favorável em termos de liquidez hoje, ele não necessariamente fica dessa forma ao longo do tempo. Então, quando assumir compromisso em moeda diferente do que as empresas e as pessoas têm como rendimentos, a exposição tem que ser com cautela, com segurança.

Guerra cambial O ambiente internacional tem apresentado alguns indícios de melhora num período mais recente, mas, certamente, ainda teremos um quadro externo volátil com o qual o Brasil ¿ e no caso, o Banco Central ¿ terá que atuar no futuro. A recuperação das principais economias mundiais tem sido mais lenta do que se imaginava inicialmente e isso tem tido seus impactos sobre a economia global. A reação à tentativa de restabelecer a normalidade e a recuperação dessas economias tem levado à adoção de políticas monetárias e fiscais que ampliam a quantidade de dinheiro em circulação. Isso tem gerado impacto sobre o mundo. Essa liquidez procura retorno em outras economias.

Ajuda brasileira O Brasil, obviamente, usa seus instrumentos contra a extraordinária liquidez de dólares no mercado. O país não é passivo. Tem atuado ativamente no cenário internacional para levar as suas preocupações e contribuir no processo de coordenação internacional para que a saída dos efeitos da crise de 2008 e 2009 seja a mais suave possível. O Brasil tem defendido, entre outras coisas, a adoção de medidas prudenciais para assegurar a estabilidade dessas economias, como as emergentes. Isso não quer dizer, muito pelo contrário, que o Brasil não continua sendo uma economia aberta ao investimento estrangeiro, aos fluxos internacionais. Nós temos também que usá-los em benefício do crescimento sustentável.

Estabilidade A missão do Banco Central é assegurar o poder de compra da nossa moeda. Essa missão é garantida por meio do regime de metas de inflação. Temos metas definidas para 2011 e 2012 de 4,5%. A estabilidade do poder de compra é uma conquista da sociedade brasileira. A inflação tem efeitos nocivos, principalmente para a população de baixa renda, que tem menor capacidade de se proteger contra os efeitos desse fenômeno.

Ambição Tenho dito que temos a ambição de discutir, no futuro, uma meta de inflação que convirja para os níveis das principais economias emergentes ¿ de 3%. Temos que criar as condições para isso. A minha discussão sobre essa meta de inflação não tem prazo de validade. Ela não está vinculada a uma decisão agora, em junho, ou em qualquer ponto no tempo indefinido. Entre essas condições, temos que consolidar o patamar corrente de 4,5%. O que eu digo é que nós temos que ter ambição de entrar nesse processo e discutir uma convergência para os níveis mais baixos de meta de inflação. O BC persegue a meta de 4,5%. O que acontece no fim do ano depende de uma serie de fatores, choques que precisam ser acomodados. O Banco Central continuará perseguindo essa meta de 4,5%.

Gastos do governo A condução da política fiscal fica, institucionalmente, a cargo do Ministério da Fazenda e do Ministério do Planejamento. Cabe a eles a condução, junto com o governo, da política fiscal. Dito isso, o resultado fiscal tem impacto sobre a demanda da economia, sobre as expectativas dos agentes de mercado. Então, essa variável importante é levada em consideração nas nossas análises e na nossa avaliação sobre o ambiente econômico. Tomamos decisões aqui no Banco Central relativas à política monetária com base, inclusive, na política fiscal. As nossas hipóteses em relação à política fiscal são explicitadas pelo relatório de inflação, nos documentos do Comitê de Política Monetária. Ação coordenada O diálogo entre os integrantes da equipe econômica e do Ministério do Planejamento existe e é intenso. Há debate. Eventualmente, ele é contraditório. Faz parte do processo, sempre respeitando as missões e responsabilidades institucionais de cada um dos integrantes da equipe econômica. Em relação a câmbio, juros e inflação, nós atuamos em um regime bem conhecido. Inflação com objetivo fixado. O BC faz sua parte. O resto do governo faz a parte dele em relação a esses objetivos, mas cabe ao Banco Central a responsabilidade de conduzir a política monetária com vistas a atingir a meta de inflação.

Crédito ao consumo O crédito ao consumo vai crescer a taxas mais moderadas. Ele avançava a 15% e, agora, crescerá a 10%, ou alguma coisa acima disso. Então, temos muito boas perspectivas para este ano. E todas essas questões serão levadas em consideração na hora de definir a política monetária, que é focada no equilíbrio interno de assegurar a estabilidade do poder de compra da população. Há outras economias com taxas de juros muito baixas, que têm tido uma pressão cambial importante e têm observado, ao longo do tempo, o fortalecimento dessas moedas.

Bolha imobiliária É natural para um país que tem uma demanda reprimida por habitação de 6 milhões de unidades que o crédito imobiliário cresça mais fortemente, ganhando mais espaço nas carteiras dos bancos. Comparando com outros países, o nível de financiamento imobiliário é menos de 5% do PIB. Em outras economias, há níveis muito maiores.