Título: Brasil está mais preparado para tumulto nos mercados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Opinião, p. A10

Prever qual será sua extensão e quem poderá ser arrastado pela atual turbulência nos mercados financeiros. Por enquanto, os solavancos estão sendo produzidos por ajustes de preços dos ativos, num movimento de desalavancagem, que gera enorme volatilidade. Entretanto, não há nada, até onde se pode enxergar, que leve a instabilidade a contaminar a economia real do mundo, que cresce ininterruptamente há cinco anos.

Os países emergentes em geral, e o Brasil em particular, costumavam ser tremendamente afetados por esses distúrbios. Hoje, porém, estão com seus fundamentos econômicos muito mais sólidos do que estavam nas crises dos anos 90. Naquela ocasião, a característica básica dos emergentes era a de conjugarem déficit em transações correntes no balanço de pagamentos com elevado endividamento externo. De lá para cá e depois de vividas duas crises de bom tamanho, esses países construíram uma rede de proteção que os tornou, senão impermeáveis, pelo menos bem mais resistentes aos efeitos das turbulências.

O Brasil, em especial, teve uma mudança de qualidade excepcional. Da crise de 2002, quando da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ao primeiro mandato, para cá, os números são incontestáveis. Apenas a título de exemplo: a relação dívida total/exportações, que era de 3,5 vezes naquele ano caiu para 1,3. A razão reservas cambiais/serviço da dívida saiu de 2,8 para 0,8, e o balanço de pagamentos apresenta superávit nas contas correntes. A dívida interna indexada à variação da taxa de câmbio, que no passado chegou a perto de 60% do seu total, desapareceu.

Os analistas financeiros não descartam a possibilidade do turbilhão financeiro migrar de mercado, saindo da fatia de alto risco ("subprime") para o segmento de baixo risco ("prime"), o que elevaria em muito o grau da turbulência. Mas avaliam com cautela essa possibilidade. A ação dos banco centrais americano e europeu nos últimos dois dias, com uma pesada injeção de liquidez nos mercados, mostra que estão atentos para evitar eventuais riscos de propagação.

No caso do Brasil, os efeitos sobre o mercado de capitais estão sendo razoavelmente moderados, embora esse ambiente possa vir a adiar pretensões das empresas de fazer emissões primárias de ação, na sequência de um crescimento jamais visto de IPOs, até que se dissipem todas as dúvidas. No mercado de câmbio, a avaria externa gerou, como subproduto, um resultado que o governo até comemorou: a desvalorização da taxa de câmbio.

O prêmio de risco-Brasil (EMBI+), que teve forte variação na semana passada, está refletindo mais as incertezas no cenário internacional do que propriamente o risco-país. Embora esteja, agora, bem acima do piso que chegou a ser de 138 pontos base, no primeiro semestre deste ano, o que acaba penalizando quem precisa tomar financiamento externo.

O programa de acumulação de reservas cambiais traçado pelo governo em 2003, quando o país dispunha de apenas US$ 16 bilhões, e acentuado nos últimos dois anos e meio, formou um "colchão" de US$ 160 bilhões de reservas hoje, que inibe o contágio. O custo fiscal de se multiplicar por dez as reservas cambiais nesse curto espaço de tempo - medido pelo diferencial dos juros externos e internos - sempre foi muito ressaltado. Mas é em momentos de incertezas e crises que se pode, de fato, colher os benefícios das reservas.

Assim, pelo menos enquanto a avaria não se transformar em crise na economia real, as consequências do ajuste dos preços de ativos para o Brasil serão pontuais.

Um desses efeitos poderá ser avaliado quando o Comitê de Política Monetária (Copom) se reunir, em setembro, para decidir sobre a meta da taxa básica de juros (Selic), atualmente fixada em 11,5% ao ano. Nas últimas atas, o comitê chamou a atenção para o fato de estar sendo maior do que se esperava a contribuição do setor externo para a estabilidade dos preços. Com a desvalorização da moeda nos últimos dias, talvez essa contribuição seja, a partir de agora, menor, reduzindo o espaço para quedas mais acentuadas dos juros.