Título: Investimentos podem ser adiados
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 13/08/2007, Finanças, p. C1

As empresas brasileiras poderão ter de adiar aquisições e investimentos se o mercado externo de eurobônus continuar fechado para os países emergentes por mais tempo, como parte do contágio da crise de inadimplência das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos. Essa é a opinião de Anne Milne, diretora-gerente do Deutsche responsável pela área de análise de papéis da dívida de companhias da América Latina e do Europa do Leste.

Desde que as turbulências no mercado de hipotecas chegaram com mais força às bolsas, no dia 26 de julho, nenhuma nova emissão de títulos dos emergentes foi feita. Na semana passada, a empresa de petróleo russa Gazprom quis até aproveitar a janela de oportunidade, na quarta-feira, quando foram lançados mais de US$ 20 bilhões em títulos grau de investimento no mercado americano. Sem sucesso, no entanto, pois a emissão não saiu. Os investidores não quiseram aceitar os prêmios de 225 pontos básicos sugeridos pela empresa para seus papéis de 30 anos.

Segundo Anne Milne, é difícil saber quando os mercados vão reabrir para os emergentes. Mas, isso não amplia o risco de crédito da maior parte das grandes e médias empresas brasileiras, que estão com o caixa fortalecido, "curadas da doença da dívida de curto prazo" e têm neste momento outras oportunidades de financiamento, como o mercado de debêntures. As companhias mais tradicionais vinham usando o mercado externo para captações de mais longo prazo e de volume maior, não para refinanciamento de dívida, mas sim para novos investimentos e para rolar empréstimos-ponte tomados para aquisições, lembra. "Se o mercado externo continuar fechado, essas companhias podem simplesmente adiar os planos de expansão", avalia ela, que veio dos Estados Unidos ao Brasil na semana passada para discutir dívida corporativa em evento promovido pelo Deutsche reunindo investidores externos e cerca de 15 empresas emissoras.

De acordo com a executiva, ainda não se sabe quando o mercado voltará a se abrir para papéis dos emergentes. "Nós ainda não sabemos quais os níveis de prêmios de risco que as empresas terão de pagar", afirma. Gestor americano de fundo de investimento em crédito presente ao evento do Deutsche, que preferiu não se identificar, disse que, neste momento, quando bancos considerados de baixo risco em todo o mundo estão sofrendo aumentos dramáticos nos seus prêmios de risco de crédito, de mais de 30% em um dia, empresas brasileiras não podem ter a ilusão de que conseguirão ficar isoladas.

O mercado secundário de títulos de dívida não serve de referência para o novo nível de preços, pois o volume de negócios minguou. "No meio das turbulências, o mercado secundário geralmente trava, o que é normal", diz Carlos Gribel, sócio-diretor da Queluz Securities. Ele diz que, neste momento, a diferença entre o preço de venda de um papel e de compra se alarga de tal forma que os negócios não saem.

"Não há vendedores no mercado, pois algumas emissões de empresas brasileiras, se você vende agora, nunca mais terá de volta", explica Anne Milne. O gestor de fundo americano diz que é da natureza dos compradores de papéis da América Latina comprar e manter os títulos. Olhando além do barulho, muitos investidores acreditam que o Brasil virou a esquina e passará a ser grau de investimento em breve, com valorização nos seus ativos, afirmou ele.

Sem liquidez no secundário, os prêmios de risco de crédito dos títulos perpétuos da Cosan, que estiveram entre os que mais subiram desde o início da crise, registraram alta de 32,4% do dia 20 de julho até sexta-feira. No mesmo período, o prêmio de risco de crédito da Companhia Vale do Rio Doce embutido no swap de crédito de vencimento em cinco anos subiu 61%. Os swaps de crédito negociam o risco de crédito puro e não são afetados pela liquidez dos papéis realmente existentes nas mãos do mercado externo.

Segundo explica Anne Milne, também por causa da baixa liquidez no secundário, o mercado de títulos de dívida das empresas da América Latina está mais tranqüilo do que os outros mercados de crédito e os preços têm caído muito menos. "Nos Estados Unidos, o tombo foi maior", conta. "Como os preços caíram mais por lá, alguns investidores estão em busca, no curto prazo, de papéis de empresas americanas, que estão com preço relativo mais atrativo", explica. Ou seja, há uma guinada em busca de ativos americanos em oposição a ativos da América Latina.

Para o gestor do fundo americano, o mercado de títulos lastreados em hipotecas dos Estados Unidos - as securitizações de recebíveis imobiliários - "quebrou completamente", pois "você não pode vender nada a nenhum preço razoável". Isso não aconteceu com os países emergentes, que mantêm um mercado secundário de títulos da dívida, embora menos líquido, o que pode ajudar numa retomada. "Uma tendência que percebemos nos últimos anos é que em setembro, outubro ou novembro as pessoas querem colocar seu dinheiro para funcionar", conta Anne Milne. A tendência sazonal de crescimento da liquidez do mercado nos próximos meses pode ajudar na retomada, diz a analista.

Os temores de que existam incontáveis perdas escondidas permanecem. Na sexta-feira, o mercado foi tomado por rumores de que o Fed, banco central americano, iria chamar reunião de emergência e baixar os juros básicos, de forma a evitar quebradeiras. Os rumores eram de que bancos de investimento, na verdade, pediam a reunião.