Título: STF está despreparado para inquéritos como o do mensalão, diz relator
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 17/08/2007, Política, p. A5

O ministro Joaquim Barbosa, relator do inquérito do mensalão, afirmou, ontem, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é estruturalmente despreparado para julgar casos deste tipo. Para ele, o STF deveria julgar grandes questões constitucionais e não pedidos de abertura de ação penal - por mais que o pedido, no caso, envolva políticos de peso do primeiro mandato do presidente Lula, como os ex-ministros José Dirceu, Luiz Gushiken, o ex-presidente do PT, José Genoino, além de parlamentares, publicitários e bancários.

"O STF é estruturalmente despreparado para isso", disse Barbosa, sobre o inquérito do mensalão, envolvendo 40 indiciados. "É um tribunal programado para julgar questões de alta envergadura e não minúcias de processo penal", completou o ministro.

O julgamento terá início na manhã de quarta-feira, mas Barbosa acredita que só irá proferir o seu voto entre a noite de quinta-feira e a manhã de sexta-feira. O ministro ressaltou que os advogados dos 40 indiciados poderão fazer defesa oral, utilizando 15 minutos cada um. Por este motivo, o relator do mensalão acredita que o início do julgamento será mais para ouvir os advogados do que para decidir pela abertura ou não de ação penal contra os envolvidos no mensalão. Até ontem, 19 advogados estavam inscritos para fazer a defesa oral. O relatório de Barbosa tem 50 páginas e o seu voto possui 400 páginas.

O processo do mensalão é mais intrincado do que o caso Collor, segundo a avaliação do ministro. Ele afirmou que apenas um item da denúncia, relativo à transferência de recursos do Banco do Brasil para uma das empresas do publicitário Marcos Valério, envolve os supostos crimes de peculato, corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro e tem mais de 150 páginas em seu voto. "Tenho dormido e acordado com este processo há meses", queixou-se.

O ministro disse que, por causa do mensalão, deixou de julgar outras ações. De 23 mil ações que chegaram ao seu gabinete, quando foi sorteado relator, em agosto de 2005, ele julgou 19 mil. "Eu queria chamar a atenção para a irracionalidade de tocar um processo como este e receber este volume de ações", lamentou. "Em países mais organizados, o relator de um processo dessa magnitude seria dispensado de outras ações para se dedicar apenas a ele."

Barbosa propôs o desmembramento do mensalão aos demais ministros da Corte. Ele queria que só ficassem no STF os indiciados com foro privilegiado (parlamentares e ministros). Mas, o relator foi vencido na votação, realizada em dezembro do ano passado, e os autos permaneceram no Supremo.

O ministro Sepúlveda Pertence, o decano do STF, participou, ontem, de sua última sessão de julgamentos no tribunal. Ele convive há 46 anos no Supremo e é considerado o ministro mais influente da Corte. Pertence chegou ao Supremo em 1961, logo depois da inauguração da sede do tribunal, em Brasília. Na época, Pertence foi assessor do então ministro Evandro Lins e Silva. Depois, atuou como advogado e procurador-geral junto ao Supremo. Em 1989, foi indicado para o cargo de ministro pelo então presidente José Sarney. Ficou por mais de 18 anos no Supremo, período em que acompanhou todos os julgamentos envolvendo a atual Constituição, de 1988.

Pertence negou que a sua saída tenha qualquer relação com a proximidade do julgamento do mensalão. "Eu verei (o julgamento) pela TV Justiça", ironizou o ministro. Ele já havia anunciado a sua intenção de antecipar a aposentadoria, prevista para 21 de novembro próximo, quando completará 70 anos. "Eu não poderia, tendo anunciado que sairia antes da data da compulsória, esperar este ou aquele julgamento para a minha saída."

Pertence disse que evitou pedir a aposentadoria no recesso de julho do STF e que ficou por mais duas semanas em agosto apenas para julgar os últimos processos que possuía. "Eu já não estava podendo dar ao tribunal tudo o que podia dar", afirmou. O novo decano, ministro Celso de Mello, lamentou a saída de quem tem mais experiência no tribunal e criticou a regra atual que prevê a compulsória aos 70 anos, quando a sabedoria é maior. Eros Grau afirmou que a saída de Pertence é uma perda irreparável. "O ministro Pertence é um arquivo vivo, a lembrança e a memória dos momentos importantes desta Corte", disse Grau.