Título: Marco Aurélio descarta presidência do PT
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2007, Política, p. A5

Às vésperas do julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decide se aceita ou não a acusação contra os acusados de montar um esquema de compra de votos no Congresso - o chamado "mensalão" -, o assessor especial para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia, diz que o 3º Congresso Nacional do PT, a ser realizado no final deste mês, em Brasília, "é um pouco filho da crise que o partido viveu em 2005 e 2006".

Apesar da coincidência de datas entre o julgamento e o encontro petista, Garcia diz que "o congresso não pode ser um momento de fulanização". Antes disso, deve ser um momento de "reflexão" e de definição da estratégia partidária em relação à sucessão de 2010. Ele acha que o PT deve ter candidato próprio à sucessão de Lula e vai trabalhar nesse sentido. "Eu acho que o PT deve ter um candidato, mas ele pode não ter um candidato", ressalva. "Nós podemos perfeitamente apoiar um candidato que interprete as nossas posições programáticas, que seja uma pessoa confiável".

Garcia rejeita a expressão "mensalão" - não houve "comprovação factual", mas não economiza nas críticas às "atividades paralelas" de setores que ser "autonomizaram" e que, segundo ele, "começaram a misturar finanças com política". Um fenômeno que considera isolado, mas nem por isso menos grave. "Eu não posso dizer que ele não é grave porque ele foi isolado. Não. Ele é muito grave, porque no fundo nós todos não sabíamos ou deixamos passar".

Na reta final da eleição de 2006, Marco Aurélio Garcia foi chamado às pressas para presidir interinamente o PT e chefiar a campanha do presidente Lula, no segundo turno. O deputado Ricardo Berzoini fora forçado a se afastar das duas funções devido ao "Dossiê Vedoim", preparado por um grupo em que havia pessoas subordinadas ao presidente petista, um suposto esquema que ligava candidatos tucanos à compra superfaturada de ambulâncias. Garcia voltou ao governo e Berzoini reassumiu o cargo, em janeiro.

Agora, às vésperas do 3º Congresso Nacional do PT, o nome do assessor especial voltou a ser cogitado para presidir o partido, numa candidatura capaz de conciliar tendências diversas. "Não acho que uma pessoa que ficou exposta, ainda que injustamente, como eu, possa ser presidente do PT", disse Garcia ao Valor, na sexta-feira.

O assessor de Lula refere-se ao episódio em que foi filmado em seu gabinete, junto com um assessor, ao fazer um gesto obsceno enquanto assistia o noticiário da TV, segundo o qual o acidente com o vôo 3054 da TAM poderia ter ocorrido por motivos alheios à pista de Congonhas. Garcia reconhece que seu gesto foi "grosseiro", mas considera-se vítima de um "ardil".

"Em primeiro lugar, tratou-se de uma invasão de privacidade", defende-se. "Não vem me dizer que isso aqui é um local público. Isso aqui é um local de trabalho - e se eu fosse passível de algum crime, essa prova não valeria judicialmente". Depois, Garcia acha que foi vítima de "uma manipulação concreta", ou seja, a de transformar sua "indignação" numa "manifestação de regozijo", numa atitude de desrespeito aos mortos no acidente.

Para Garcia, a realização de um congresso pressupõe um momento de reflexão mais aprofundada, "de caráter mais duradouro". Por isso, o PT só teve até agora dois. No primeiro, em 1991, organizou o partido. No segundo, em 1999, desenhou "de forma consistente a estratégia que seria exitosa em 2002 com as eleições". O terceiro é o que ele chama de "filho da crise" de 2005 e 2006, "com todas aquelas denúncias, com alterações importantes no próprio núcleo dirigente. Então houve um sentimento de que era importante fazer uma reunião de mais profundidade".

Uma reflexão que "estaria centrada fundamentalmente em projeto para o Brasil que nós queremos, uma discussão sobre o socialismo, e uma terceira discussão sobre o partido propriamente dito". Mas numa sigla como o PT, "que institucionalizou sua pluralidade com as correntes, tendências, é normal que houvesse percepções muito distintas". As percepções, segundo Garcia "iam um pouco na direção de tentar uma espécie de um ajuste de contas com o passado, alguns inclusive defendendo, ainda que essa expressão tenha depois desaparecido, uma espécie de refundação".

Garcia discorda dos setores que vinculam a crise de 2005 a determinadas opções políticas do PT, como a política de alianças para governar. "O principal problema, a meu juízo, foi o relacionamento do partido com o governo, marcado por dois equívocos, que aparentemente são questões opostas mas que acho de certa maneira complementares". Por um lado, "ele não foi crítico" e não manteve o "necessário" distanciamento crítico do governo. Por outro, "não foi capaz de apoiar o governo". Para Garcia, "um partido político, sobretudo um partido de esquerda, não-clientelista, tem que ter uma relação crítica, no bom sentido da palavra, mas ao mesmo tempo tem que ter uma relação de apoio ao governo. O PT não exerceu nenhuma das duas funções".

A negociação com partidos no Congresso para dar sustentação ao governo "não é um problema em si grave", diz Garcia. Seja com o PMDB ou "quem quer que seja". Desde o começo, assegura, "nós tínhamos claro - pelo menos havia um setor que tinha - que, se nós quiséssemos governar o país, nós íamos ter que fazer um governo de coalizão".

Um dos problemas do período na relação governo-PT, para Marco Aurélio Garcia, foi a condução da política econômica. Ele diz que "o partido não foi capaz de caracterizar aquele período como um período de transição, onde nós tínhamos que esconjurar determinados problemas macroeconômicos graves, sem cuja resolução nós estaríamos ameaçados, em função da nossa vulnerabilidade externa, .para que nós pudéssemos ter o que nós estamos tendo no segundo mandato, isto é, um projeto de desenvolvimento que ainda precisa se construir melhor, mas cujos eixos estão estabelecidos".

Da mesma forma que em 2002, Garcia avalia que nas eleições de 2008 e 2010 "nós vamos ter provavelmente políticas de alianças também muito diferenciadas". Em alguns lugares, afirma, "nós vamos estar junto com o PSB, PCdoB, com o PDT", partidos que hoje ameaçam trabalhar com candidaturas próprias. "Eu aliás acho que nós deveríamos ter um eixo mais à esquerda, dentro da coligação, puro, com PCdoB e o PSB", defende. "E nas eleições de 2010 eu não sei. Pode perfeitamente acontecer que saiam, das forças que apóiam o governo. dois ou mais candidatos".