Título: Brasil cede e vai aceitar imposição de salvaguardas pelos argentinos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Brasil, p. A3

O Brasil aceita estabelecer algum tipo de mecanismo restritivo ao comércio com a Argentina, no estilo das salvaguardas previstas pela Organização Mundial de Comércio (OMC), dirão hoje representantes do governo brasileiro a uma missão diplomática do governo argentino enviada pelo presidente Néstor Kirchner ao Rio. A contra-proposta brasileira à reivindicação argentina por "salvaguardas" no comércio bilateral foi discutida em uma reunião entre ministérios da área econômica, da Ciência e Tecnologia e o Itamaraty, integrantes do Grupo Executivo de Comércio Exterior (Gecex), na quinta-feira passada. Na prática, o Brasil aceitará algum tipo de "salvaguarda" ao comércio, mas não tão abrangente ou automático quanto querem os argentinos. Os participantes da reunião concluíram também que não se opõem à maior parte do documento entregue pelo ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, com uma proposta de "código de conduta" para orientar os investimentos das multinacionais nos dois países. Foi considerado inaceitável, porém, o principal ponto reivindicado pelos argentinos: uma cláusula prevendo punições para empresas que fecharem fábricas no território de um dos sócios do Mercosul para abri-las no outro (como fez, recentemente, a americana Whirlpool, que mudou-se da Argentina para o Brasil). Os representantes brasileiros devem dar aos argentinos uma resposta diplomática à proposta do "código de conduta". No fim de semana, o secretário de Relações Internacionais da Argentina, Alfredo Chiaradía, que chefiará a missão ao Brasil, hoje, declarou à imprensa que a Argentina quer um "pacote integral de medidas" para eliminar as disputas comerciais entre os dois países. Chiaradía insistiu na necessidade de regras para orientar investimentos estrangeiros nos dois países. Se excluída a exigência de punições aos investidores que mudarem de país, os brasileiros não vêem muitos problemas na proposta argentina, que, na maior parte, se baseia no código de conduta para investidores estrangeiros estabelecido pelos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em negociações acompanhadas por observadores dos governos argentino e brasileiro. Para os integrantes do governo brasileiro, porém, a discussão de hoje deverá centrar-se em torno das salvaguardas - ou o nome que venham a receber neste acordo entre os dois países. O Brasil proporá fortalecer a comissão de monitoramento de alto nível que, desde 2003, vem acompanhando os dados do comércio Brasil-Argentina e abrigando negociações de restrição voluntária no setor privado nos casos mais dramáticos de aumento das exportações brasileiros ao vizinho - como ocorreu no caso de produtos da linha branca, como geladeiras. O acompanhamento da missão ganharia caráter oficial e uma instituição seria criada para esse trabalho. Os brasileiros insistirão, porém, na necessidade de incluir, no futuro mecanismo de salvaguardas, um sistema para evitar que, em caso de restrições a exportações brasileiras, fornecedores de outros países ganhem o mercado argentino. "Não queremos desvio de comércio que favoreça terceiros países", explicou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Márcio Fortes, um dos participantes da reunião informal da Câmara de Gestão de Comércio Exterior (Gecex) na semana passada. Ele evitou, porém, falar da contra-proposta brasileira, afirmando que os representantes do governo iriam à reunião de hoje dispostos a "ouvir". Os representantes brasileiros serão chefiados pelo secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães. Na Argentina, Alfredo Chiaradía afirmou no fim de semana que é equivocada a visão de que a única coisa que quer seu país na negociação com o Brasil é a instituição de salvaguardas comerciais. "No Brasil se construiu esta imagem de que a Argentina é protecionista, restritiva, débil, não-competitiva e pidonha, o que não corresponde à realidade", afirmou o diplomata à agência de notícias "DyN". Chiradía viajou ontem ao Rio de Janeiro, para participar da reunião. A expectativa dos argentinos é poder receber aval às propostas que têm o objetivo de proteger setores sensíveis de sua indústria e diminuir suas desvantagens competitivas em relação aos competidores vizinhos. Segundo ele, mais do que as salvaguardas, a Argentina quer a adoção de mecanismos "transitórios, como parte de um pacote global de ações que contribuam à melhora do Mercosul". Segundo Chiaradía, a adoção do pacote proposto em setembro pelo ministro Lavagna, para diminuir as "assimetrias" no bloco comercial pode chegar a permitir que as salvaguardas sejam desnecessárias. (Colaborou Paulo Braga, de Buenos Aires)