Título: Falsos assessores da OMC viram estrelas antiglobalização
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 25/01/2005, Internacional, p. A7

Eles diziam os maiores absurdos em nome de organizações que supostamente representavam, e por muito tempo todo mundo acreditou e eles saíam ovacionados de conferências, reuniões com empresários, universidades e entrevistas. São os "Yes Men", dois americanos apontados como novas estrelas do movimento antiglobalização com seu humor cáustico. Esses dois americanos, Andy Bichlbaum e Mike Bonnano, se desmascaram agora de vez num filme que será lançado em Genebra. Eles dizem que jamais esperaram que uma forma de protesto primária acabaria por mostrar a credulidade ou indiferença geral quando advém de fonte oficial. "As pessoas engolem as coisas mais atrozes e grotescas todo dia. Elas dizem sim a tudo que é dito por um funcionário de organização internacional", afirma Andy. Esse entusiasta por informática que vive em Paris se juntou a Mike, professor de vídeo em Nova York, e criou em 1999 um site pirata da OMC na internet, no rastro dos protestos de Seattle. Acreditando que se tratava da verdadeira OMC, várias entidades passaram a convida-los para intervenções públicas. Vestido num elegante terno, cabelo bem cuidado, óculos redondos e a tradicional maleta preta, Andy foi debater "grandes questões de comércio internacional" na TV americana CNBC como porta-voz da OMC, achando que ia sair direto do estúdio para a prisão. Mas a mistificação passou despercebida, por mais estranhas que fossem suas declarações. A partir de então, ambos aceleraram os horrores. Convidados como porta-vozes da OMC por uma universidade de Tampere, na Finlândia, apresentaram um modelo sobre o "custo de um escravo" para a indústria têxtil, chamaram Ghandi de idiota protecionista e criticaram Lincoln por ter abolido a escravidão nos EUA. E Andy terminou mostrando um uniforme dourado com um enorme pênis com câmera integrada para "vigiar os empregados do terceiro mundo". Andy contou que receberam calorosos elogios dos organizadores do encontro pela intervenção e o jornal local relatou as opiniões "assessores" da OMC. Na Áustria, propuseram proibir a "siesta" espanhola e que as leis de mercado fossem aplicadas à democracia, para autorizar a venda de votos. Na Austrália, defenderam o fim da própria entidade. Nos EUA, levaram o humor ao extremo num seminário sobre como acabar a fome nos países pobres: os excrementos dos consumidores de hambúrguer dos países industrializados seriam reciclados em hambúrguer para os pobres. Tudo isso mostrado em desenho animado. Kietth Rockwell, o verdadeiro porta-voz da OMC, diz que há anos ouve falar dos "Yes men". Mas eles só foram realmente desmascarados recentemente, numa história que fez muito barulho. No 20º aniversário da catástrofe de Bhopal, na Índia, Andy apareceu na BCC World como porta-voz da Union Carbide. E não perdeu tempo: reconheceu a responsabilidade total da multinacional, anunciou indenização de US$ 12 bilhões para as 20 mil vitimas e a limpeza do local devastado. Duas horas depois, a empresa desmentia tudo e a BBC fazia um doloroso pedido de desculpa aos telespectadores. "Yes Men" é agora nome da entidade por meio da qual pregam uma nova forma de protesto baseado no humor. Amanhã, eles lançam o filme "Yes Men" em Genebra, sede da OMC, mostrando suas experiências, nas quais o humor era visto como coisa verdadeira. Estão chamando atenção, mas acham que dentro de seis meses todo mundo vai esquecer e eles prometem voltar a agir. Basta ver o que ocorreu no fim de 2004. A mesma TV americana CNBC telefonou ao verdadeiro porta-voz da OMC, Kieth Rockwell, informando ter acertado entrevista com o assessor em Paris. "A OMC não tem porta-voz em Paris", retrucou Kieth. "Claro que tem", insistiu a TV. Era um "Yes man". Hoje, os dois serão recebidos por Kieth para um café. "A OMC tem sido alvo de manifestações violentas. Ser alvo de humor é o de menos", diz o porta-voz, lembrando de passagem o engodo contra a imprensa, universidades e empresários.